Quarta, 19 de Março de 2025
Amazônia Exploração

Petróleo no Amapá promete muito dinheiro, mas entregará mais secas, queimadas e salinização de rios

Velha promessa de estado rico volta à cena em meio à emergência climática na Amazônia.

24/02/2025 às 16h44
Por: Tapajós de Fato Fonte: Andrew Costa, Neto Medeiros e Yuri Silva
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Segundo Cemaden, 92% das terras indígenas da Amazônia sofreram com seca decorrente do agravamento da crise climática em 2024 (Foto: Agência Brasil)
Segundo Cemaden, 92% das terras indígenas da Amazônia sofreram com seca decorrente do agravamento da crise climática em 2024 (Foto: Agência Brasil)

por Andrew Costa¹, Neto Medeiros² e Yuri Silva³

Macapá (AP) - A descoberta de petróleo na bacia da foz do rio Amazonas (175 km da costa do Amapá) abriu uma discussão acalorada sobre o futuro ambiental e econômico do estado tucuju. A Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), empresa estatal de petróleo do Brasil, tem pressionado pela exploração desses recursos, e vem entrando em embates com o  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), órgão responsável pelo licenciamento ambiental no país.

O Ibama argumenta que a exploração petrolífera ameaça ecossistemas únicos, incluindo áreas ainda pouco estudadas, e representa um risco significativo para as comunidades tradicionais e biodiversidade da região. Além disso, a instituição aponta para o risco de vazamentos, cujos efeitos na região amazônica seriam catastróficos, afetando não só a fauna e flora, mas também as populações locais que dependem dos rios e igarapés para sobrevivência. Vale lembrar, a foz do Amazonas representa o encontro do maior rio com o maior oceano do mundo: é o território que abriga a maior biodiversidade do planeta. Em meio ao acelerado agravamento da crise climática, o Ibama sustenta que qualquer avanço em áreas sensíveis deve ser criteriosamente avaliado para proteger o que resta dos biomas naturais.

Entretanto, o consenso entre a maioria dos parlamentares amapaenses e empresas de comunicação tem sido favorável à exploração, sugerindo que a extração de petróleo na Amazônia seria uma solução para o desenvolvimento econômico do Amapá e para a transição energética. Esses setores costumam minimizar ou mesmo negar as evidências de possíveis danos ambientais, ignorando as consequências climáticas e sociais que a exploração de combustíveis fósseis pode trazer. A pressa pela exploração coloca em risco, sobretudo, as comunidades mais pobres da Amazônia, que são as mais vulneráveis a possíveis desastres ambientais ou agravamento da crise climática. Esse discurso desenvolvimentista favorece interesses corporativos e ignora a realidade das secas, da escassez de recursos hídricos e da perda de biodiversidade, que vem se ampliando e aprofundando a desigualdade na região.

Velha promessa de desenvolvimento do Amapá volta à cena

O argumento de que extrativismo predatório entregará muito dinheiro, riqueza e desenvolvimento ao Amapá é uma promessa antiga, mas sua veracidade é questionável. Esse velho discurso também foi usado para justificar a entrada da Indústria e Comércio de Minérios S/A (Icomi) na exploração de minérios, em especial o manganês, na região de Serra do Navio no fim da década de 60.

  • Revista em 1965:

Revista Manchete de 1965 também prometia Amapá rico e desenvolvido quando da descoberta de manganês em Serra do Navio. (Foto: reprodução da internet)
  • Portal de internet em 2024:

Jornais com recursos publicitários do governo utilizam o questionável jornalismo declaratório para reproduzir velha promessa de desenvolvimento. (Foto: rerodução da internet)

Estima-se que a empresa Icomi tenha extraído aproximadamente 10 milhões de toneladas de manganês do Amapá em 50 anos. Privatizou os lucros, enriqueceu poucas pessoas e foi embora antes mesmo de encerrar seu período de concessão. Aos amapaenses restou apenas buracos, devastação ambiental, contaminação do território e problemas sociais relativos à lógica da exploração predatória. A promessa de riqueza e desenvolvimento professados à época contrasta hoje com os péssimos indicadores sociais do estado - A “Terra das Macapabas” ocupa o 25º lugar no ranking de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos 27 estados da federação, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no censo de 2022.

Garimpo do Lourenço no Amapá: extrativismo predatório há tempos promete desenvolvimento mas entrega rastro de destruição ambiental na Amazônia (Foto: Polícia Federal)

O discurso em defesa do extrativismo predatório se repetiu com a expansão da fronteira do agronegócio no estado e também com a construção das quatro hidrelétricas do estado, que prometiam melhorar substancialmente a qualidade de vida dos amapaenses. No entanto, apesar dessas promessas, a população amapaense continua a enfrentar altos índices de pobreza (88% da população do estado sequer possui rede de esgoto e 57% não possui água encanada), enquanto os lucros dessas atividades beneficiam apenas um pequeno grupo de grandes empresários. A lógica do agronegócio destrói biomas para cultivo de monoculturas e pecuária extensiva. Com isso, o esgotamento hídrico, a contaminação de lençóis freáticos e a intensificação das queimadas são uma realidade apresentada ao Amapá nos dias de hoje. A chegada das hidrelétricas também prometeram desenvolvimento ao estado. Além de não desenvolver, contaminou rios, acabou com a pororoca, destruiu biomas e entregou aos amapaenses apagão e uma das contas de energia mais caras do país.

Moradores de Ferreira Gomes (AP) fazem manifestação contra morte de peixes no rio Araguari. (Foto: reprodução da internet)

Os índices de desenvolvimento socioeconômicos não acompanham a proposta de desenvolvimento extrativista prometido há décadas para o Amapá: é uma lógica predadora de biomas que reproduz a lógica de concentração capitalista, não melhora substancialmente a vida do povo tucuju. A exploração do petróleo repete esse ciclo: a mesma retórica de desenvolvimento, enquanto a história nos mostra que os benefícios são sempre privados, enquanto às comunidades locais restam os impactos ambientais e sociais.

Comerciante de Macapá protesta contra preços exorbitantes no valor da energia dentro de um estado que arca com os impactos ambientais de quatro hidrelétricas. (Foto: reprodução da internet)

Emergência climática na Amazônia cada vez mais violenta

A Amazônia vive uma das piores crises climáticas da sua história recente. Diversos rios, como o Amapari, Araguari, Madeira e rio Acre secam, dificultando o transporte e o acesso de crianças às escolas e afetando a sobrevivência dos pescadores e agricultores locais. A seca, associada a queimadas cada vez mais violentas, transforma paisagens e afeta diretamente a vida na floresta e nas cidades. Esses problemas se intensificam com o aumento da emissão de gases de efeito estufa, provenientes da queima de combustíveis fósseis como o petróleo. Ao insistir nesse caminho, o Amapá contribuirá para a crise climática que afeta cada vez mais intensamente o ciclo hídrico da região, colocando em risco a sobrevivência de milhares de famílias.

Queima de combustíveis fósseis intensificam emergência climática, responsável direta pelo aumento das queimadas na Amazônia. (Foto: Nilmar Lage/Greenpeace)

No Amapá, o impacto do aumento do nível dos oceanos já é visível no arquipélago do Bailique, onde a água do mar invade as áreas de água doce, prejudicando o abastecimento das comunidades. A população do Bailique sofre com a salinização das águas, que compromete a pesca e a agricultura, principais fontes de sustento local. Além disso, o modelo de desenvolvimento voltado para o agronegócio na região também acelera a degradação ambiental. As monoculturas e o desmatamento ampliam a vulnerabilidade climática e a fragilidade dos ecossistemas do Amapá, exigindo uma revisão do modelo econômico predominante.

Emergência climática fez subir nível dos oceanos e salinizar água de regiões do Amapá como o Bailique. Ações de socorro para entrega de água potável são cada vez mais necessárias. (Foto: Agência de Notícias do Amapá)

Amapá precisa romper com velho extrativismo e olhar para o futuro

O desenvolvimento do Amapá precisa caminhar por outras vias, valorizando uma economia baseada em sociobioeconomia, agricultura familiar, turismo de base comunitária, biotecnologia e biofarmacologia, entre outras. Essas alternativas sustentáveis garantem que a floresta permaneça em pé, preservando a biodiversidade e beneficiando as populações locais. É perverso seduzir mais uma vez a população amapaense com a promessa ilusória de que a exploração predatória de seus recursos naturais trará desenvolvimento. É preciso adotar modelos produtivos que integrem o meio ambiente e as pessoas, respeitando e preservando o bioma amazônico, fundamental para o equilíbrio ambiental do planeta.

Agricultura familiar é uma das formas de desenvolver o Amapá gerando segurança alimentar, além de proteger biomas e a biodiversidade. (Foto: Jornal da UFG)

Aqui é fundamental destacar: não existe petróleo sustentável. Pintar de verde os combustíveis fósseis destinando parte de seus recursos para transição energética não os fará menos danosos ao clima. Muitas lideranças políticas locais e nacionais têm adotado esse discurso para transmitir a imagem de que tudo o que se faz na Amazônia pode levar o rótulo de sustentabilidade. Estamos caminhando em alta velocidade para uma catátrofe climática e a ideia de explorar mais combustível fóssil, a essa altura, é pisar no acelerador rumo à extinção de nossa própria espécie. Chega a ser surreal o nível de alienação que o capitalismo consegue promover em nome do lucro.

Oiapoque está preparado para receber esse megaempreendimento?

Esse é um ponto pouco debatido, frente às promessas de que Oiapoque será uma grande potência econômica na Amazônia. A cidade, localizada na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, enfrenta desafios importantes relacionados a saneamento, urbanização, e o possível crescimento desordenado diante da exploração de petróleo na foz do Amazonas. Se não houver planejamento, há um risco real de crescimento desordenado e favelização do município.

Algumas estradas de acesso ao Oiapoque ajudam a ilustrar os desafios de infraestrutura urbana que a região, além da cidade, enfrenta. (Foto: MPF)

Em termos de infraestrutura urbana, o Oiapoque apresenta limitações significativas, com acesso restrito a serviços básicos: 98,97% não possui esgoto, 91,1% não possui água encanada e 34,5% sequer possui coleta de lixo regular (dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS). Até o momento não houve nenhuma sinalização efetiva sobre investimentos robustos e preparo da cidade para atender às necessidades de uma população em expansão, especialmente diante da possível chegada de trabalhadores para atividades ligadas ao petróleo.

A experiência de outras regiões brasileiras sugere que, apesar dos royalties do petróleo, melhorias concretas na qualidade de vida local nem sempre acompanham o aumento de receita. Campos dos Goytacazes e Macaé são municípios do Rio de Janeiro que estão entre os maiores receptores de royalties do petróleo. Entretanto, ainda lidam com problemas de infraestrutura e serviços públicos. Mesmo com grandes receitas, a economia dessas cidades ainda é dependente da indústria do petróleo, e oscilações nos preços do petróleo e reduções de produção afetam drasticamente a receita e a estabilidade local. Além disso, os royalties não foram suficientes para diversificar a economia, e há problemas em áreas como saúde, saneamento e educação​. As cidades de Mossoró (Rio Grande do Norte) e Maricá (Rio de Janeiro) enfrentam desafios semelhantes.

Como queremos enfrentar os desafios atuais do município de Oiapoque? E quais problemas teremos que lidar com a potencial exploração na costa do município? O que há de debate e projeto público apresentado à sociedade amapaense nesse sentido?

Onde fica a liderança climática do Brasil?

Governador do Pará Helder Barbalho (MDB) e presidente Lula (PT) anunciam Brasil como sede da COP 30, trazendo evento global para a Amazônia. (Foto: Semas/PA)

Ao considerar a ambição do Brasil em ser uma liderança climática global, fortalecida ainda mais por ser anfitrião da Conference of the Parties (Conferência das Partes) COP 30, há uma notável incoerência com a defesa de uma nova fronteira para exploração de petróleo na Margem Equatorial. O governo atual se comprometeu com a redução de emissões e com políticas de descarbonização, essenciais para mitigar a crise climática, especialmente em biomas vulneráveis como a Amazônia. No entanto, a decisão de expandir a exploração petrolífera contraria os compromissos de transição energética e pode prejudicar a imagem do país como uma “potência verde” em um mercado global cada vez mais restritivo para combustíveis fósseis.

Outro discurso adotado é que os recursos gerados pela exploração do petróleo ajudariam a financiar a transição para fontes limpas. No entanto, esse discurso não sai do campo do imaginário, visto que não há nenhuma ação ou planejamento do governo brasileiro realmente sendo executada neste sentido. Pior, o aumento das atividades petrolíferas pode reduzir a confiança internacional no compromisso climático brasileiro, e o petróleo poderá perder valor no mercado conforme os países avançam para o “net zero” até 2050.

Ainda é necessário se questionar e fazer coro ao questionamento da ex-presidente do Ibama Suely Araújo: “O Brasil vai apostar em um negócio que só começará a dar lucro após 2030, quando mundo já estará em franca troca de matriz energética e com o petróleo custando cada vez menos. É isso que a nação quer?”.

Emergência climática deixa nítida contradição entre capitalismo e natureza

O modelo capitalista de exploração da natureza a qualquer custo está conduzindo a humanidade a um caminho perigoso, em que o lucro imediato prevalece sobre a sustentabilidade e o bem-estar social. Para o Amapá, e para o Brasil como um todo, é urgente a busca por modelos de desenvolvimento inspirados nas práticas das populações amazônicas e andinas, que promovem um equilíbrio entre natureza e sociedade. Esse é o verdadeiro "bem viver" – uma relação harmônica entre o homem e o meio ambiente, essencial para a sobrevivência humana em um planeta cada vez mais pressionado pela crise climática.

O conceito de Bem Viver tem origem nos povos indígenas da América Latina, sobretudo amazônicos e andinos, e propõe uma forma de vida que valorize a harmonia entre seres humanos e natureza, em vez da exploração desmedida dos recursos naturais. Diferente do capitalismo, que prioriza o crescimento econômico e o consumo, o Bem Viver propõe um equilíbrio entre o desenvolvimento das comunidades e a preservação ambiental, garantindo que o bem-estar humano esteja intimamente ligado ao respeito pelos ecossistemas. Ao colocar as necessidades da coletividade e do meio ambiente acima dos interesses individuais, essa visão oferece uma alternativa poderosa para enfrentar uma emergência climática, pois busca reduzir os danos ao meio ambiente e promover uma convivência sustentável. A adoção de práticas inspiradas no Bem Viver pode ser essencial para preservar um planeta habitável para as gerações futuras, priorizando um modelo de desenvolvimento que respeite os limites naturais e promova justiça social e ambiental.

 

¹ Andrew Costa é formado em Jornalismo e mestre em Mídia e Cotidiano pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor substituto do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amapá.

² Neto Medeiros é formado em Pedagogia na Universidade Estadual Vale do Acaraú e mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é professor efetivo do Instituto Federal do Amapá.

³ Yuri Silva é formado em Ciências Biológicas e mestre em Biodiversidade Tropical pela Universidade Federal do Amapá. Atualmente é Diretor Técnico do Instituto Mapinguari. 

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