Um relatório técnico divulgado pela Universidade Federal do Oeste do Pará - Ufopa traz uma análise da concentração de microcistinas e da abundância de cianobactérias nas águas das praias de Ponta de Pedras, Alter do Chão e Pindobal, no rio Tapajós, em Santarém (PA).
O estudo se deu a partir do ocorrido no início do ano, na segunda semana de janeiro, onde viralizou em perfis nas redes sociais imagens das margens do rio Tapajós completamente verdes, a situação chamou atenção da população local, e gerou preocupação em relação a contaminação da água e dos banhistas.
O relatório aponta que as variáveis limnológicas (características físicas, químicas e biológicas da água) indicam que as condições ambientais do rio Tapajós criam um ambiente favorável à proliferação de cianobactérias. No entanto, a compreensão da existência dessas algas em ecossistemas aquáticos não pode ser reduzida a uma simples relação de causa e efeito, uma vez que as cianobactérias pertencem a um grupo antigo e diversificado de espécies com estratégias ecofisiológicas (são as formas como os seres vivos se adaptam às condições do ambiente) frequentemente contrastantes.
Alerta para o consumo da água por famílias ribeirinhas
Após as análises realizadas, as águas dos três pontos amostrados apresentam concentrações de microcistinas (toxinas de cianobactérias) dentro do limite de segurança para águas recreacionais recomendado pela OMS (≤24 μg/L). Mas os valores detectados excedem o limite máximo permitido para água potável, conforme a legislação brasileira (≤1 μg/L), com valores de 11,95 μg/L para Ponta de Pedras, 6,31 μg/L para Alter do Chão e 1,59 μg/L para Pindobal. Isso significa que, embora a água seja segura para banhistas e visitantes, representa uma preocupação significativa quando se considera seu uso para consumo humano e atividades domésticas por parte de comunidades ribeirinhas.
Em um trecho do estudo é apontado a possibilidade de contaminação através do consumo de peixes: “Com a ingestão desses organismos contaminados, as toxinas podem ser transferidas para níveis tróficos superiores, como peixes e aves aquáticas, aumentando os riscos de bioacumulação e biomagnificação ao longo da cadeia alimentar (SOTTON et al., 2014). Estudos demonstram que peixes expostos a MCs podem apresentar danos hepáticos e redução na taxa de crescimento, o que pode afetar tanto populações naturais quanto espécies de interesse comercial (FLORES; MILLER; STOCKWELL, 2018). Além disso, o consumo de peixes contaminados representa um risco potencial para a saúde humana, especialmente em comunidades ribeirinhas que dependem da pesca como fonte alimentar primária (KUBICKOVA et al., 2019)”.
A preocupação principal que o estudo traz é com a dependência direta das comunidades ribeirinhas das águas do rio Tapajós. “Além disso, a exposição vai além da ingestão direta: a população local faz uso diário da água para banho, lavagem de roupas, utensílios domésticos e pesca, o que amplia os riscos de absorção dessas toxinas (POSTE; HECKY; GUILDFORD, 2011). A ingestão prolongada de MCs, mesmo em concentrações relativamente baixas, está associada a danos hepáticos, inflamações intestinais e até mesmo a um maior risco de desenvolvimento de câncer hepático (KUBICKOVA et al., 2019). Dessa forma, enquanto turistas e visitantes podem estar expostos ocasionalmente, os ribeirinhos enfrentam um risco crônico e cumulativo, tornando-se um grupo altamente vulnerável aos efeitos adversos dessas substâncias (HE et al., 2018)”.
Exploração do meio ambiente pelo homem é uma das principais causas
A região onde Santarém está localizada, Oeste do Pará, historicamente sofre com a exploração e invasão de grandes projetos que degradam o meio ambiente de diversas formas, como o agronegócio e garimpo, e o relatório técnico aponta essas atividades antrópicas como umas das causadoras na baixa qualidade da água do rio Tapajós.
“O desmatamento da vegetação ripária ao longo do rio Tapajós também intensifica os impactos ambientais, promovendo erosão e aumento do carreamento de sedimentos ricos em matéria orgânica e nutrientes para a coluna d’água (NARAYANAN; COHEN; GARDNER, 2024). Esse processo contribui para a eutrofização e pode favorecer florações de cianobactérias, especialmente em áreas com baixa renovação hídrica (SWEENEY et al., 2024). Além disso, a mineração, legal e ilegal, tem sido uma fonte significativa de poluição, liberando metais pesados que podem interagir com a microbiota aquática, afetando a biodiversidade e aumentando os impactos das cianotoxinas sobre o ecossistema e a saúde humana (COSTA JUNIOR et al., 2017; LOBO et al., 2017)”, trecho do relatório técnico.
As causas também podem estar relacionadas à ocupação urbana desordenada, que intensifica a poluição das águas, com o despejo inadequado de esgotos domésticos e resíduos industriais.
Recomendações a partir do estudo
Ao final do documento são elencadas recomendações a curto, médio e longo prazo, sendo elas:
Ações imediatas (Curto Prazo)
a) Divulgação dos resultados – É fundamental informar as comunidades ribeirinhas, autoridades locais e turistas sobre a presença de microcistinas e os possíveis riscos à saúde. Para isso, é essencial adotar estratégias de comunicação acessíveis e culturalmente adequadas, garantindo que a informação seja compreendida por todos. Entre as abordagens recomendadas estão reuniões comunitárias, cartilhas ilustradas, transmissões em rádios locais e o uso de redes sociais, facilitando a disseminação do conhecimento e a adoção de medidas preventivas.
b) Monitoramento contínuo da qualidade da água – Implementar um programa emergencial de coleta e análise de amostras mensal para acompanhar a liberação de toxinas na coluna d'água.
c) Alertas preventivos – Implementar um sistema de avisos sobre a qualidade da água em praias e pontos de captação para consumo humano, utilizando diferentes meios de comunicação. Isso pode incluir a instalação de placas informativas em locais estratégicos, boletins atualizados em rádios comunitárias, alertas via aplicativos de mensagens e redes sociais, além da criação de um sistema de sinalização por bandeiras ou luzes indicativas. Essas medidas garantirão que moradores, turistas e autoridades sejam informados de forma clara e em tempo real sobre possíveis riscos.
d) Redução do uso da água contaminada – Orientar as comunidades locais sobre formas de minimizar o consumo de água potencialmente contaminada e reforçar alternativas seguras.
e) Fiscalização das atividades turísticas – Implementar medidas de controle para reduzir impactos diretos das atividades recreativas na proliferação de cianobactérias (ex.: restrição de navegação em áreas sensíveis).
f) Análise de impactos na saúde pública – Avaliar os efeitos das microcistinas na população local por meio de exames clínicos e estudos epidemiológicos.
Ações de Médio Prazo (6 meses a 2 anos)
a) Implementação de um plano de gestão integrado – Desenvolver estratégias participativas para mitigar os impactos das atividades antrópicas na qualidade da água, envolvendo ativamente as comunidades locais na identificação de problemas e na implementação de soluções. Isso pode incluir ações de educação ambiental, monitoramento comunitário da água, práticas sustentáveis de uso dos recursos hídricos e o fortalecimento da governança local para a preservação dos ecossistemas aquáticos.
b) Fortalecimento das políticas de saneamento – Melhorar o tratamento de esgoto e reduzir o lançamento de resíduos orgânicos e industriais nos rios da região. Para isso, é essencial estabelecer parcerias com governos municipais e estaduais, garantindo investimentos em infraestrutura sanitária adequada. Essas parcerias podem viabilizar a construção e manutenção de sistemas de tratamento de esgoto, além da implementação de políticas públicas voltadas para o saneamento básico e a fiscalização do descarte de resíduos, contribuindo para a sustentabilidade dos recursos hídricos na região.
c) Capacitação das comunidades ribeirinhas – Realizar treinamentos sobre boas práticas de uso da água e alternativas sustentáveis para reduzir a dependência de fontes contaminadas.
d) Ampliação da rede de monitoramento ambiental – Criar um sistema permanente de vigilância da qualidade da água, considerando variáveis ambientais e fontes de poluição.
e) Promoção de técnicas de controle biológico – Pesquisar e implementar métodos naturais para reduzir a proliferação de cianobactérias (ex.: manejo da vegetação ripária, introdução de espécies filtradoras).
f) Regulamentação e controle da ocupação agroindustrial – Criar ou reforçar normas para limitar a expansão desordenada e o uso excessivo de fertilizantes na região, garantindo a proteção dos recursos hídricos e a sustentabilidade ambiental.
g) Desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis – Promover e fortalecer o incentivo ao uso de práticas agrícolas sustentáveis, como adubação verde, sistemas agroflorestais e manejo integrado do solo, reduzindo a dependência de fertilizantes químicos e minimizando seus impactos negativos sobre os ecossistemas aquáticos e a biodiversidade local.
Ações de Longo Prazo (acima de 2 anos)
a) Restabelecimento da qualidade da água – Implementar projetos de recuperação ecológica das áreas impactadas, como reflorestamento de margens e controle do assoreamento.
b) Criação de Áreas de Proteção Ambiental (APA) – Estabelecer zonas de conservação estratégicas na região para minimizar a degradação dos ecossistemas aquáticos.
c) Desenvolvimento de infraestrutura sustentável – Investir em alternativas de abastecimento de água para as comunidades ribeirinhas, como sistemas de captação de água da chuva e tecnologias de filtragem, garantindo o acesso à água segura e de qualidade. Além disso, é fundamental contar com incentivos governamentais e parcerias com ONGs para viabilizar tecnologias de baixo custo para o tratamento de água nessas comunidades, tornando as soluções mais acessíveis e sustentáveis a longo prazo.
d) Educação ambiental e conscientização pública – Incluir em campanhas institucionais regionais informações sobre os impactos das cianobactérias e a importância da preservação dos corpos d’água.
e) Política pública de gestão hídrica – Criar diretrizes para uma governança eficiente da água na região, garantindo a participação ativa de comunidades locais, pesquisadores e órgãos ambientais. Para isso, a criação de comitês locais de gestão da água é essencial para promover uma gestão participativa, integrada e adaptada às necessidades e realidades da região.
f) Pesquisa científica – Fomentar estudos adicionais sobre cianobactérias e os impactos das mudanças climáticas, visando uma compreensão mais aprofundada dos fatores que impulsionam sua proliferação na região e das suas implicações de longo prazo para a saúde humana e a biodiversidade aquática.
Para ler o Relatório Técnico na intregra, acesse o link: Relatório Técnico: Análise de microcistinas nas águas das praias de Ponta de Pedras, Alter do Chão e Pindobal