População santarena vai às ruas para clamar pela defesa do rio Tapajós, no Pará

Neste ano de 2025, na cidade de Santarém, aconteceu o ato em homenagem a esse dia, contudo, sem tantas comemorações, o ato enfatizou a luta dos povos do Tapajós contra diversos empreendimentos que pretendem interferir na saúde das águas dos rios e na vida dos povos da região.

26/03/2025 às 15h46 Atualizada em 02/04/2025 às 17h10
Por: Conce Gomes Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: Tapajós de Fato
Foto: Tapajós de Fato

O Dia Mundial da Água foi definido em 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU), durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco- 92, desde então acontecem comemorações e atos em homenagem e principalmente, defesa das águas.

Neste ano de 2025, na cidade de Santarém, aconteceu o ato em homenagem a esse dia, contudo, sem tantas comemorações, o ato enfatizou a luta dos povos do Tapajós contra diversos empreendimentos que pretendem interferir na saúde das águas dos rios e na vida dos povos da região.

“A gente intensifica nossas ações no Dia Mundial da Água porque defender as águas do Tapajós é uma luta diária. Com essa mobilização, queremos mostrar que a crise da água já está acontecendo – seja nas secas cada vez mais extremas, seja na falta de acesso à água em muitos bairros da cidade. Precisamos proteger nossos rios, igarapés e lagos antes que seja tarde demais”, destaca Alice Matos, do Movimento Tapajós Vivo.

Fotocard divulgação

Com início às 18 horas, a concentração aconteceu no local conhecido como Vera Paz, que representa a resistência do povo contra projetos de destruição. Há aproximadamente 30 anos era espaço de lazer da população santarena, que apreciava a praia da Vera Paz, hoje, o cenário é completamente oposto à cultura dos povos do Tapajós e Baixo Amazonas, quando se percebe uma grande construção da empresa Cargill para descarregamento de soja, o que ocasionou a destruição da praia e do rio ao redor da construção, bem como a ampla destruição com o desmatamento para a monocultura da soja.

Foto: João Serra

Em sua fala em manifesto e defesa das águas, Suzany da Terra de Direitos reforçou a importância da luta em defesa das águas e contra o crescimento desordenado de empreendimentos que excluem e desconsideram a existência dos povos da floresta. “Estamos aqui mais um dia na água, começando mais uma manifestação que sai, não por acaso, da memória de um espaço tão importante para essa cidade, para esse povo, para essa região que é a Vera paz, que foi tomada de nós por esse projeto predatório de portos graneleiros no Tapajós, que querem transformar o rio que é nossa vida em uma esteira de grãos, de lucro para o agronegócio predatório destruidor, o agro da morte. Estamos aqui mais um dia das águas, lutando pela vida da água, pela qualidade, para que esses portos graneleiros parem de ameaçar com a poluição, para que o licenciamento ambiental, para que as leis ambientais de consulta prévia, livre e informada dos povos e comunidades tradicionais que habitam há muitos anos nesse território seja garantido”.

Durante a caminhada aconteceram algumas manifestações artísticas, como o grupo de teatro Chico Mendes, que desenvolveu uma performance representando os elementos da natureza doente, bem como falas de lideranças e pessoas de organizações que unidas à luta se manifestaram em protesto e renúncia a esse modelo exploratório de uso dos recursos naturais, principalmente, das águas.

   

Foto: Tapajós de Fato

A caminhada marcou o dia mundial em defesa das águas, mas também marca para os povos do Tapajós o combate ao desmatamento, a denúncia da exploração das águas, da contaminação por agrotóxico, da contaminação por mercúrio e de todos os impactos que a população do Tapajós vem sofrendo. Pedro Martins, educador popular da FASE, compartilhou conosco sobre as denúncias desse dia, em defesa das águas. “A gente também denuncia neste ato o projeto da Ferrogrão que ainda não concretizado já está trazendo mazelas para a nossa população e que esse é um espaço importante para a mobilização de todos os povos da cidade, do campo, dos indígenas, quilombolas”.

A cidade de Santarém, Oeste do Pará, é conhecida como Pérola do Tapajós por ter a confluência dos rios Amazonas e Tapajós, que estão entre os principais rios do Pará. Além de abrigar um dos maiores aquíferos de água doce do planeta. Ainda assim, Santarém é uma cidade que, mesmo com essas condicionantes, a maioria dos bairros da cidade sofre com a falta de água, e muitos chegam a ficar dias sem água encanada, sendo esse, um problema recorrente e constante.

O ato em defesa das águas contou com a participação das organizações e movimentos sociais, movimento indígena, com a participação de pessoas da igreja católica, do MPP e  artistas unidos à luta pelo Meio Ambiente, bem como a presença de povos de terreiro que se manifestaram e se unem à luta pelas águas lembrando que as águas devem ser protegidas também por quem cultua os Orixás e para quem respeita a espiritualidade sagrada compreendendo que água é vida, como nos diz Pai Théo D’Oxum, dirigente do Terreiro Cabocla Jurema Preta. “É importante a gente estar aqui, fazendo presença, mostrando que o povo de Axé também é vivo aqui no ativismo. Porque hoje em dia a nossa religião também cultiva as forças e elementos da natureza. Orixá está na natureza, orixá é a própria natureza. E nada melhor do que as águas para lembrar das nossas Yabás também, então se a gente cultua Orixá a gente tem que defender as águas também”.

Foto: Tapajós de Fato

O território Amazônico, especialmente, a região de Santarém Oeste do Pará, sofre há muitas décadas com as expansão do agronegócio, agravando o desmatamento e contribuindo com a escassez hídrica, considerando a retirada das matas ciliares dos arredores das nascentes dos igarapés, isso compromete a fluidez das águas para os rios, compromete a qualidade das águas, e sem a mata ciliar não é possível a retenção de poluentes químicos, como agrotóxicos que chegam nas águas. São importantes por representarem uma proteção natural dos cursos d'água. A mata ciliar contribui com a quantidade e qualidade da água disponível, retém os sedimentos, os nutrientes carregados pela chuva e parte dos poluentes químicos, evitando a poluição das águas.

A promotora de Justiça Lílian Braga também esteve no ato em defesa das águas e compartilhou com o Tapajós de Fato sobre a importância dessa manifestação. “Então, participar de um momento como esse também é participar das dores, dos sofrimentos, dos questionamentos, das vivências que as pessoas têm hoje com o que estão fazendo com a água, por exemplo, do nosso rio Tapajós, dos nossos igarapés, como o Urumari. É estar preocupado com aquilo que a vida das pessoas aqui na nossa cidade importa. Então, parabéns para a organização, por esse momento da gente caminhar juntos aqui, olhando para as águas mais importantes que nós temos na nossa cidade, que é o nosso Rio Tapajós, e poder pensar nas coisas da nossa vida, né? Pensar pra que rumo a gente quer seguir aqui na nossa cidade e o que que a gente pretende com a nossa vida aqui nesse lugar, isso é bom”.

Foto: Tapajós de Fato

A maior fonte de subsistência dos povos da Amazônia é a água, farta de nascentes, igarapés e rios, é desse lugar abundante de água doce que se retira o alimento de todos, que por décadas, vem sendo aos poucos destruído, ameaçado e contaminado. Pescadores e pescadoras sentem no dia a dia as diferenças e problemáticas que se desenvolveram na região devido a poluição, a seca severa ocasionada por uma crise climática que assola a humanidade. Francilourdes Gonçalves, pescadora artesanal da comunidade de Santana do Ituqui e militante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil- MPP, nos fala sobre a importância da água e o que a água representa para ela como pescadora artesanal. 

“Então, a água para nós, é nossa vida. Nossos rios aqui da nossa região estão sendo poluídos totalmente por dragagens, os garimpos ilegais, a contaminação pelo agrotóxico que vem do agronegócio, das plantações, e tudo isso vai para as nossas águas, para os nossos rios, e vai contaminando. A água é nosso ouro, a água é nossa riqueza, é nossa soberania alimentar. Nós retiramos o nosso pescado, a nossa alimentação, a nossa sobrevivência, a nossa subsistência, a nossa tradição, a nossa cultura, tudo é da água. E está bem ameaçada a nossa tradição, o nosso modo de vida, porque os nossos rios estão contaminados, estão se contaminando cada dia mais, o nosso pescado já não é mais aquele saudável, tão saudável e nós precisamos lutar para isso, nós precisamos defender com todas as forças, unir forças e defender essas violações das nossas águas, esses empreendimentos que vêm”.

Foto: Tapajós de Fato

O marco do dia 22 de março se reflete no dia mundial da água, e o povo afirma que não há muito o que comemorar, mas refletir e lutar para que o que ainda resta não seja destruído e poluído ainda mais. Dragagem dos rios, centenas de portos graneleiros, agrotóxico nas águas, desmatamento, garimpo ilegal e poluição por mercúrio todos os dias sendo jogados nos rios, esses são alguns dos motivos que fazem com que o povo vá para as ruas gritar, cantar e se manifestar, lembrando que o nosso bem mais precioso, de toda a humanidade é a água pura, límpida e potável, pois sem água, todos morreremos com a garganta seca de poeira deixada por um sistema de progresso que regride a cada dia e reduz nossos recursos naturais a troco de dinheiro, e como diz Ailton Krenak, “a economia não serve se continuarmos destruindo a natureza”.

O ato encerrou na praça Tiradentes com apresentações culturais do cantor Livaldo Sarmento, do grupo As Karuana, Caldo de Piranha e DJ Roba Cena, artistas unidos à defesa e na luta pela preservação da natureza, das nossas águas e em defesa do bem viver dos povos da Amazônia.

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