Por uma imaginação política contra a barbárie climática

Essa semana vamos ecoar em nosso jornal as ideias de Alan Pessoa, que é escritor, poeta, artista plástico e produtor cultural. Também é militante pelo PCBR/UJC.

31/03/2025 às 13h09
Por: Tapajós de Fato Fonte: Alan Pessoa
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Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal

Na revogada da lei 10.820/2024, conquistada pela garra e força dos parentes indígenas, quilombolas e professores, ficou um ensinamento crucial para compreendermos a luta comum para todos aqueles que percebem a crise da humanidade: Há uma saída possível! E essa possibilidade nos acende um questionamento viável: se o caminho é evidente, ainda com as pegadas quentes, por que outros setores de nossa sociedade, principalmente aqueles estruturados por trabalhadores urbanizados, não o seguem?

Antes de tentar esboçar uma resposta, fiquemos atentos à palavra: Revogar. Significa, por uma análise etimológica simplificada, “chamar de volta”. Essa retomada é essencial para deixar de vigorar o estado de coisas absurdas em que estamos nos acostumando a viver. Vejamos, se a crise do capitalismo é evidente e juntamente com isso o colapso do clima parece cada vez mais latente precisamos urgentemente revogá-los. Precisamos chamar o mundo de volta à possibilidade de vida

Mas como? Como que todos nós podemos nos aliar em uma unidade radicalizada, que ao mesmo tempo é diversa, contra a barbárie capitalista/climática? Creio que também há uma luta simbólica a ser travada nas trincheiras urbanas periféricas da Amazônia, esse lugar em que (ainda) estamos profundamente enraizados.

Aparentemente, boa parte da população das beiradas do asfalto sabe que será (e é) a mais afetada pela crise global e, ainda assim, muitas das vezes acabam cooptadas por uma extrema-direita que está organizada e em ascensão. Desse modo, as bases fundamentais do capital, os trabalhadores, são ludibriados justamente por uma falsa possibilidade. Essa enganação reside num complexo conjunto de processos e saberes que são introjetados nos corpos daqueles que trabalham pela exaustão e pela negação ao ócio. Afinal, o sujeito explorado e cansado não vê nenhuma saída aos problemas criados pela sua própria exploração se não pela radicalização, certo?

Essa tentativa de crer em um “possível” é o que chamamos de imaginação política, aqui é onde a simbologia da luta popular se engrandece também. Se é necessário cooptar e mostrar aos indivíduos explorados que sua força reside no embate contra seus algozes, havemos de elencar pautas que nos deem aquilo que nem sabemos que nos foi tirado: nosso tempo. Materialmente, precisamos dar descanso aos exauridos, para que só pela tomada de tempo a si mesmo haja a possibilidade da imaginação de um outro mundo. Assim, de uma forma mais abrangente, a vitória contra a barbárie climática só pode ser sustentada por aqueles que protagonizam o mundo pelas raízes. Então, precisamos imediatamente trilhar esse caminho.

Voltemos a etimologia da palavra: o termo “radical” aqui se funda justamente como “raiz”.

Digo ainda mais específico, ainda que as manifestações contra a escala de trabalho 6x1, por exemplo, tenham enfraquecido por uma série de questões, precisamos usar dessa força de retomada, como na vereda traçada pelos parentes, para realizar nossa vontade de possibilidade e voltar à fronte pelo nosso direito à dignidade. Ao revogarmos essa realidade desumana, que se apropria de 26.19% da vida na sua semana (tempo calculado apenas em relação às 44 horas semanais trabalhadas, sem contar tempo de transporte e outras atividades relacionadas) poderemos aí pensar sobre como ter espaço para organizar a levantada contra aqueles que destroem a natureza das coisas.

Obviamente que, diante da urgência da atualidade, muitas outras pautas são estruturalmente essenciais - desde uma reforma governamental sobre austeridade/teto de gastos às afirmações das diversas identidades populares – mas, é crucial relacionar toda militância a um espaço de tempo viável àqueles que podem inventar e construir nossas possibilidades. Também há pautas localizadas neste ano, como a de um protagonismo sobre as negociações na COP30 (30ª Conferência da ONU sobre mudanças climáticas), onde a necessidade de ocupar os espaços pelos amazônidas provavelmente se dará por uma marcação deste lugar pela radicalidade – seja ela simbólica ou ativa.

Se os ideais políticos disputam as ideias e vice versa, assim sendo, que seja possível aos nossos povos o direito ao sonho e à perseverança por sua presença no território como um todo diverso. Lutemos pelo poder de crer em nossa própria luta.

Uma nova Cabanagem veio para nos mostrar um guia, que sejamos criativos em dar a ela continuidade até a emancipação popular derradeira, até a vida puder estar no mundo sem ser ameaçada pela ganância de poucos homens. Que revoguemos o fim do mundo!

Sawé!

Alan Pessoa é escritor, poeta, artista plástico e produtor cultural. Também é militante pelo PCBR/UJC.

 

*As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as do Tapajós de Fato. Nosso objetivo é estimular a participação da população a enxergar a comunicação como ferramenta de luta.

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