Movimento de resistência do povo Munduruku bloqueia rodovia do agronegócio em manifestação contra o marco temporal

Já houve pedido de reintegração de posse de trechos ocupados, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu, reconhecendo a omissão da Justiça e por não convocar audiência pública para tratar o caso.

02/04/2025 às 13h36
Por: Tapajós de Fato Fonte: Assessoria Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn
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Foto: Frank Akay_Coletivo Da'Uk
Foto: Frank Akay_Coletivo Da'Uk

Desde o último dia 25 de março, o povo Munduruku protesta contra o marco temporal e a mesa de conciliação aberta pelo Supremo Tribunal Federal, criada sem qualquer consulta prévia aos povos originários. Para chamar a atenção da sociedade para as consequências da aprovação dessa lei, os indígenas bloqueiam a BR-163, rodovia estratégica para o agronegócio, via por onde escoa a produção de soja do Centro-Oeste para os portos do Tapajós.

“Nosso Movimento Munduruku de resistência reivindica os direitos do povo. Os ruralistas do Congresso e Senado querem acabar com os nossos direitos e com nosso território e principalmente com as vidas indígenas e agora o STF, através do Ministro Gilmar Mendes, quer rasgar a nossa Constituição e negociar nossos direitos. O governo precisa também se manifestar e proteger nossos direitos, principalmente o de sermos consultados, conforme a convenção 169 da OIT e a nossa própria Constituição (...) Nem o governo, congresso ou STF podem decidir sobre nossas vidas e nossos territórios, sem antes nos consultar”. Esse é um dos trechos da carta divulgada pelo Movimento no início da ocupação.

Direito à manifestação

Até para se manifestarem contra uma lei extremamente nociva aos povos originários, os indígenas precisam lutar. Desde o início da ocupação da rodovia, o povo Munduruku tem sofrido ataques racistas, como xingamentos e agressões físicas. Caminhoneiros que transportam soja para os portos de Miritituba (PA) chegaram a jogar pedras e atacar os manifestantes. Uma violência que reflete o que o povo Munduruku e demais povos indígenas sofrem historicamente.

Em carta, o Movimento destacou a importância de cobrar do poder público uma posição, já que o direito à manifestação e a integridade física dos indígenas estão ameaçados. “Pedimos providências dos órgãos urgentemente para garantir nossa segurança, pedimos que eles estejam aqui conosco para garantir nosso direito de manifestação. Quem será responsável se algo acontecer com nossa comitiva será o estado, que protege sojeiros e garimpeiros que estão invadindo nosso território”.

Em outra carta divulgada pelo Movimento na última segunda-feira, 31 de março, destinada ao ministro Gilmar Mendes e ao STF, foi denunciado que empresas ligadas ao agronegócio têm pressionado e intimidado a manifestação, inclusive com uso das forças armadas do estado, na tentativa de violar direitos humanos. “No entanto, este trecho da BR-230 que sobrepõe a BR 163 – fundamental para o escoamento da soja e símbolo do poder econômico que impulsiona o marco temporal – permanecerá interrompida enquanto nos negarem o devido reconhecimento”, afirmam em carta.

 

O Movimento reafirma que o objetivo dessa luta é um apelo por diálogo direto: a realização de uma audiência imediata com o Ministro Gilmar Mendes. Se não houver resposta positiva, a manifestação vai se intensificar e terá paralisação total da rodovia. “Não será a primeira vez que exigimos ser ouvidos, mas nunca fomos considerados realmente. Não recuaremos, pois esta luta não começou agora – temos ido a Brasília inúmeras vezes, mas nunca fomos de fato ouvidos. Caso nosso povo sofra consequências ainda mais graves, atribuímos a responsabilidade ao STF e toda câmara de conciliação convocada pelo ministro Gilmar Mendes para negociar nossos direitos, que insiste em nos ignorar como sujeitos de direitos”, destaca o Movimento.

 Ocupar e resistir

Já houve pedido de reintegração de posse de trechos ocupados, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu, reconhecendo a omissão da Justiça e por não convocar audiência pública para tratar o caso.

Mesmo em um contexto de tantas violências, inclusive de disparos, agressões físicas e ameaças de morte, o povo Munduruku mantém a ocupação com mulheres, idosos e crianças e pede apoio à sociedade para fortalecer a manifestação. “Enfatizamos aos parceiros que precisamos de apoio, não apenas com recursos, mas também com divulgação da nossa luta. Só assim conseguiremos juntos derrubar mais essa ameaça contra os povos originários”, destaca o Movimento.

Coletivos de comunicação do próprio povo Munduruku e parceiros têm realizado registros diários da ocupação e também pedem apoio na difusão de informações, em enfrentamento ao discurso de ódio que tem sido criado contra o Movimento.

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