Entre os dias 02 e 04 de maio, ocorreu, na Aldeia Cavada do povo Munduruku Apiaká no Planalto Santareno, o primeiro módulo da Escola de Direito Popular Jurupari, promovida pelo Coletivo Maparajuba. Com o tema “Justiça Climática e Acordos Internacionais”, o módulo abordou temas como justiça, clima, racismo ambiental e sua relação com gênero, financeirização da natureza e as falsas soluções às mudanças climáticas.
A Escola de Direito Popular Jurupari do Baixo Tapajós surgiu a partir da atuação de assessoria jurídica popular do Coletivo Maparajuba junto aos povos originários e povos tradicionais da Amazônia, especificamente, na região do Tapajós. O Coletivo atua com base nas principais demandas dos povos, buscando garantir seus direitos.
Uma das demandas apresentadas pelas comunidades indígenas e tradicionais era justamente a necessidade de formação em direitos. Diante disso, a Escola nasce com o objetivo de aliar a formação em conhecimentos técnicos e os processos de resistência dos povos do Baixo Tapajós.
“A Escola representa, justamente, a gente conseguir, lado a lado com as comunidades, com povos tradicionais, discutir sobre direitos coletivos de uma forma que todos possam participar colaborando com suas experiências e também compreender quais são os desafios e propor soluções diante desse cenário de violação às suas garantias fundamentais, ao reconhecimento dos seus territórios e até mesmo, uma proteção a dignidade da sua vida”, destaca Nery Junior, advogado popular do Maparajuba.
As formações contribuem com a resistência dos povos em seus territórios, oferecendo conhecimentos que fortalecem a mobilização e a luta pela garantia de direitos, como a demarcação indígena e o direito à consulta livre, prévia e informada.
Para a estudante da UFOPA, Felicidade Carolaine, do povo indígena Munduruku, a iniciativa é importante porque além de proporcionar a formação, também é um espaço de partilha de experiências entre os participantes.
“Participar dessa escola tem sido de grande valia, e também bastante proveitosa em termos metodológicos. Estamos conseguindo aprender e também ensinar um pouco sobre as nossas vivências, trocando ideias sobre as nossas vivências do território aqui no planalto com os parentes do Baixo Tapajós, que são vários territórios. Então a gente vê aí as grandes empresas hoje querendo negociar o crédito de carbono de dentro dos nossos territórios, e a escola ela vem nos esclarecer como é que isso funciona, de que maneira isso vai nos afetar, afetar nosso cotidiano e o dia a dia dentro dos nossos territórios”, destacou
A estudante indígena conta que as informações adquiridas na Escola de Direito Popular Jurupari são fundamentais para que os alunos nos territórios possam se conscientizar, aprender e construir a proteção de seus territórios. “Porque uma vez que as empresas chegam dentro dos nossos territórios, elas colocam somente o lado positivo, os olhares deles, querendo colocar o preço que eles acham que vale as nossas coisas, as riquezas naturais do nosso território. Então quando a Escola de Direito vem, de certa forma, abrindo nossos olhos, a gente ver que não são essas mil maravilhas. O que pra eles vale muito pouco, pra nós vale além da nossa sobrevivência, vale também a nossa alimentação, a nossa riqueza natural e principalmente a nossa espiritualidade. Nós povos indígenas somos muito ligados. A nossa relação de bem estar espiritual principalmente está muito ligada à natureza. Então, a gente consegue de uma certa forma abrir os olhos que esse mercado de crédito de carbono ele não vem para nos beneficiar, ele vem pra, de uma certa forma, desapropriar a gente do nosso próprio território”, aponta Felicidade.
Como citado pela estudante, no Tapajós os povos indígenas e tradicionais, muitas vezes, têm seus territórios invadidos por grandes empreendimentos - como atualmente é o caso dos projetos de crédito de carbono -, que buscam usurpar suas riquezas, colocando em risco seu bem viver e a relação ancestral com a natureza, que lhes proporciona todo o sustento possível de forma gratuita e generosa.
Dessa forma, então, o surgimento da “Escola de Direito Popular Jurupari” se configura como um marco na luta por direitos no Baixo Tapajós.
Escola de Direito Popular Jurupari
Essa é a primeira edição da Escola de Direito Popular Jurupari, pensada para atender povos originários e comunidades tradicionais, especificamente do Baixo Tapajós, possibilitando que pessoas dos diversos territórios dessa região consigam identificar as ameaças presentes em seu território, bem como construir resistências.
Outro objetivo é avançar nesse processo formativo para proporcionar acesso à informação e troca de experiências a partir do cotidiano com o próprio território. Além disso, a formação política de novas lideranças também é uma meta, como comenta Nery:
“Formação de novas lideranças, jovens e mulheres, para que possam continuar nessa caminhada de processo de resistência, processo de reivindicação de garantia pelos direitos coletivos dentro do território. Então fica muito claro pra gente do coletivo, que um dos grandes objetivos da escola é a formação política de novas lideranças, de novos agentes que podem tomar a frente desse processo que é contínuo de luta e garantia por direitos coletivos dentro dos territórios”.
A Escola está estruturada em quatro módulos. A metodologia parte de rodas de conversas sobre conceitos e temas técnicos, partilha de experiências territoriais, diálogos em grupos e formação de pensamento coletivo entre todos os participantes. Durante dos módulos temáticos, serão trabalhados ainda alguns eixos como direitos de territórios tradicionais, técnicas de monitoramento territorial, associativismo e participação social
Nesta primeira edição, a turma já está fechada e conta com a participação de 40 alunos. A expectativa para a segunda edição é garantir recursos financeiros de apoiadores para a continuidade do projeto.
Inspiração
Para o Coletivo Maparajuba, a educação popular é fundamental para romper paradigmas da educação tradicional, que muitas vezes restringe o acesso aos direitos dos povos tradicionais e, por vezes, contribui para a violação desses direitos de forma estrutural. Desde sua criação o Coletivo tem como ideal a atuação por meio da educação popular, caminhando lado a lado com os territórios.
Antes de criar a Escola de Direito Popular Jurupari, os advogados populares do Maparajuba participaram no processo de criação da “Escola de Formação em Direitos do Médio e Alto Tapajós”, organizada em parceria com a Comissão Pastoral da Terra de Itaituba, município do sudoeste do Pará. Foi a partir disso que veio a ideia de criar a Escola de Direitos do Baixo Tapajós.
“Um outro ponto fundamental que nos direcionou a pensar na Escola do Baixo Tapajós foi a participação do Maparajuba no processo de formação e execução da escola de formação em direitos do Médio e Alto Tapajós. Essa escola é organizada pelo Coletivo Maparajuba e também pela Comissão Pastoral da Terra Itaituba. É uma iniciativa que reúne diversos povos indígenas, extrativistas, trabalhadores rurais, ribeirinhos e atingidos por barragens. A Escola do Médio e Alto Tapajós abrange municípios de Itaituba, Trairão, Jacareacanga, Novo Progresso, distritos de Miritituba, outros distritos próximos. e aí essa experiência que o Maparajuba já vem executando há três anos junto da CPT Itaituba nos levou a fortalecer esse pensamento de trazer também essa escola aqui pros territórios do Baixo Tapajós”, conta Nery.
A escolha do nome da escola também partiu de uma reflexão conectada com seus objetivos. “Jurupari” remete a uma entidade amazônica protetora das florestas, e a ideia é ressignificar esse símbolo no contexto da formação de promotores jurídicos populares, que reivindicam seus direitos e ao mesmo tempo em que protegem seus territórios.
O Coletivo Maparajuba
O Coletivo Maparajuba é uma organização autônoma, sem fins lucrativos, formada em 2020 por advogados populares, visando contribuir com a assessoria jurídica para povos indígenas, comunidades tradicionais e coletivos organizados na região Oeste do Pará e Amazônia paraense.
A missão institucional do coletivo é promover a advocacia popular, de forma a auxiliar as lideranças a acessarem à Justiça, garantindo a proteção das florestas e dos rios da região. Além disso, o coletivo busca fortalecer a comunicação popular desenvolvida por sujeitos diretamente inseridos nas disputas territoriais da Amazônia Legal.
A atuação do Coletivo se dá em três eixos: proteção às defensoras e defensores de direitos humanos; conflitos socioambientais e Justiça Climática; e fortalecimento da assessoria jurídica popular. A partir desses eixos, o coletivo desenvolve campanhas de proteção e atua diretamente na luta em defesa dos territórios, tendo em sua trajetória decisões judiciais positivas nas causas em que atua.
O Coletivo Maparajuba também já desenvolveu formações em diversas temáticas, como crise climática e crédito de carbono. O objetivo é levar conhecimento jurídico à população dos territórios, por meio de atividades que trazem nitidez aos povos acerca de suas próprias realidades, garantindo mobilização social para proteção territorial.