Por Redação do Tapajós de Fato em colaboração com FASE Amazônia
Em 21 de maio, o Procurador Relator Dr. Paulo Cezar dos Passos, do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, decidiu suspender os efeitos da Recomendação nº 7/2025, expedida em conjunto pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado do Pará, até que seja realizada a audiência de conciliação agendada para dia 03 de junho entre MPF, MPPA, Governo do Pará e Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. (CAAPP).
A decisão do CNMP foi dada em um processo interno de fiscalização do Ministério Público, chamado de Procedimento de Controle Administrativo (o nº 1.00428/2025-36), aberto a pedido do Governo do Pará e Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. por estes discordarem da Recomendação nº 07/2025 expedida conjuntamente pelo MPF e MPA visando a anulação do Acordo de Compra de Redução de Emissões (traduzido de Emission Reduction Purchase Agreement – ERPA) celebrado entre Governo do Pará por meio da CAAPP e a Emergent Forest Finance Accelerator (Emergent), entidade internacional sem fins lucrativos.
A recomendação dos MPs
Na referida recomendação, consta que em 24 de setembro de 2024, na Casa Amazônia NY, evento que integrou a Semana do Clima de Nova York, o Estado do Pará anunciou a venda de quase R$1 bilhão em créditos de carbono e garantia de financiamento da Coalizão LEAF. Para o MP, tal venda envolveria diretamente interesses socioambientais cruciais de povos e comunidades tradicionais. Além disso, estaria definida a natureza jurídica do objeto de tal comercialização como valor mobiliário tal como definido na Lei que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), a Lei 15.042/2024, e com base na mesma Lei haveria vedação de sua venda de forma antecipada. No entendimento do MPF e do MPPA, o Acordo de venda de crédito de carbono entre CAAPP e Emergent é ilegal por ferir o disposto no no art. 2º, XXVI, da Lei 15.042/2024.
Governo do Pará e CAAPP não acataram a Recomendação e pediram sua desconstituição. Ambos acusaram que o MPF é incompetente para promover uma Recomendação sobre um acordo realizado a nível estadual. Afirmaram ainda que o Acordo foi firmado antes da promulgação da Lei do SBCE, uma lei cujos efeitos não retroagem, ou seja, não alcança o que foi feito antes de sua publicação. E que a melhor medida poderia ser a adaptação do acordo e não sua dissolução. Antes da decisão do CNMP, a SEMAS/PA informou que foi firmado um termo aditivo ao ERPA.
A Procuradoria Geral de Justiça do MPPA voltou atrás em alguns pontos da Recomendação e solicitou sua suspensão. O Relator do Conselho Nacional do Ministério Público, ao considerar as dúvidas existentes quanto à natureza do Acordo celebrado e o risco financeiro de sua anulação, decidiu pela suspensão da Recomendação e abertura do procedimento conciliatório.
Em entrevista ao Tapajós de Fato, a quilombola e advogada Dr. Queila Couto comentou que “a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) de suspender a recomendação de anulação do contrato de créditos de carbono do Pará destaca a complexidade jurídica e econômica do mercado de carbono no Brasil”. Para a advogada, impactos econômicos estão em jogo, mas também os territórios de povos e comunidades tradicionais e quilombolas estão diretamente ligados à discussão sobre crédito de carbono no Pará. “Os territórios podem ser diretamente influenciados pelas negociações de créditos de carbono. A ausência de uma regulamentação clara pode gerar insegurança jurídica e riscos de exploração indevida, comprometendo os direitos dessas populações”, comenta Couto. Dra. Queila Couto ainda indica a pertinência da intervenção do MP nas tratativas sobre carbono, “o Ministério Público desempenha um papel essencial na fiscalização, garantindo que as negociações ocorram dentro da legalidade, protegendo interesses ambientais e sociais, prevenindo fraudes e resguardando os direitos de povos e comunidades tradicionais”.
Entendendo melhor o acordo entre Pará e Emergent
Para saber mais sobre o ERPA, a equipe do Tapajós de Fato entrevistou a Professora do NAEA da UFPA e pesquisadora da Rede Climatizando, Marcela Vecchione-Gonçalves. Para a Professora, o ERPA é um modelo internacional de contrato de certificados de redução de emissões. Marcela explica que o uso desse modelo contratual remonta um período anterior ao Acordo de Paris e que foi apropriado nas novas metas climáticas dentro de uma lógica de compensação. O ERPA tem um vício de origem por ter sido para venda antecipada de crédito de carbono, explica a professora. “O Governo do Estado do Pará se utilizou desse instrumento que é o ERPA como qualquer governo ou qualquer instância que se envolva com venda antecipada de redução de emissões que vão gerar créditos de carbono”, afirmou.
Emergent, a entidade sem fins lucrativos que celebrou o ERPA com o Pará coordena a Coalizão LEAF. De acordo com informações do site da Coalizão, ela é “uma parceria público-privada única focada em deter o desmatamento tropical até 2030. Ao reunir governos florestais, o setor privado, governos doadores, Povos Indígenas, comunidades locais e a sociedade civil, a LEAF visa levantar e aplicar o financiamento necessário para enfrentar o desmatamento, fazendo com que as florestas tropicais valham mais vivas do que mortas (...) A LEAF visa canalizar fundos para governos florestais por meio da compra de créditos de REDD+ jurisdicional de alta integridade”. A Emergent é, portanto, a coordenadora de um grupo que busca por meio de créditos de carbono promover greenwashing de empresas e cumprir metas climáticas dos países poluidores por meio de compensação.
O Pará estaria então vendendo “licenças para poluir” para países e empresas. Em setembro de 2024 em entrevista para o programa Bom dia Pará da TV Liberal, Helder Barbalho afirmou: “as empresas internacionais estão emitindo gases de efeito na atmosfera (...) o mercado internacional está cobrando a redução de emissões (...) em vez de mudar sua produção (elas) estão comprando crédito de carbono para poder neutralizar e balancear esta situação ambiental”.
O REDD+ Jurisdicional
Na Recomendação nº 07/2025, suspensa até o momento pelo CNMP, consta a preocupação da elaboração do ERPA com essa grande promessa financeira enquanto o Sistema Jurisdicional de REDD+ do Governo do Pará ainda está em fase de elaboração. O Sistema Jurisdicional de REDD+ seria uma estrutura de governança que abarcaria mecanismos de mercado e de não mercado para redução de emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação com manejo de florestas e aumento do estoque de carbono (REDD+).
Para o Doutorando do INEAF/UFPA e especialista no tema, Carlos Ramos, o Governo do Pará tem tentando a vários custos implementar o chamado REDD+ Jurisdicional. No REDD Jurisdicional, “os governos atuam para estabelecerem metas de redução do desmatamento e regras para a implantação de projetos relacionados ao tema, e tais abrangências podem ser nacionais (esferas federais) ou subnacionais (estados e municípios), onde o REDD+ jurisdicional pode ser financiado por entidades públicas ou privadas por meio de contratos de pagamento baseado em resultados”, explica o pesquisador.
Atualmente, o site da SEMAS/PA indica que o Sistema Jurisdicional de REDD+ ainda está em construção e que o estabelecimento do Sistema Jurisdicional de REDD+ no Pará está sendo “construído a partir de um conjunto de componentes essenciais para garantir o seu funcionamento e obter os resultados esperados”. Os componentes estruturantes são: estruturação de um marco legal; criação de um mecanismo financeiro; desenvolvimento de um sistema de informação de salvaguardas; e estruturação de um sistema de MRV. De acordo com o pesquisador Carlos Ramos, o Governo do Pará está elaborando um Projeto de Lei que institua o jurisdicional do Pará, ao mesmo tempo em que promove a tentativa de convencimento de povos e comunidades tradicionais sobre as vantagens do REDD jurisdicional sem debater seu custo social e sem realizar até o momento procedimentos de consulta prévia, livre e informada. Para o pesquisador, o atropelo do Sistema Jurisdicional foi a criação da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará Sociedade Anônima (CAAPP), empresa público-privada que irá gerenciar os recursos dos pagamentos feitos, com possibilidade de pagamento a acionistas da companhia e que tem atualmente como presidente um ex-executivo da Amazon.
E a consulta prévia?
A metodologia proposta para o Sistema Jurisdicional seria a metodologia ART-TREES para elaboração dos certificados de redução de emissões a ser aplicada em toda a jurisdição alcançando territórios de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, grupos esses a serem também beneficiados com salvaguardas próprias e percentual de repartição de benefícios. Para garantir a participação efetiva das comunidades tradicionais na estrutura de governança climática, o direito à consulta prévia, livre e informada deve ser respeitado. Para a Dra Queila Couto, esse direito é fundamental para que as comunidades compreendam o processo de elaboração do REDD+ Jurisdicional, avaliem seus potenciais benefícios e riscos e identifiquem quais políticas públicas podem ser garantidas por meio dessas negociações. “Com esse entendimento e possam tomar decisões de forma autônoma e consciente, escolhendo livremente se desejam ou não fazer parte desses acordos, sempre respeitando a organização social e os interesses coletivos”, explica a advogada.
O direito de consulta prévia, livre e informada para elaboração de contratos pelo Governo do Pará foi objeto da Recomendação nº 8/2024 do MPF e 14/2024 do MPPA. Além de ser um tema já apresentado, seja para os contexto de sistema jurisdicional, seja para contratos privados firmados entre e comunidades, o direito a CPLI é discutido em Notas técnicas do Ministério Público e de organizações e movimentos sociais como a elaborada pela Terra de Direitos, Malungu e CONFREM - Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Marinhas. Para a Dra Queila, a conciliação sobre a venda antecipada de créditos de carbono “pode ser uma oportunidade para garantir que as comunidades tradicionais sejam devidamente consultadas, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT, e que sejam beneficiadas de maneira efetiva”.
A atuação do MP sobre crédito de carbono em outros estados
Em 2024, o Ministério Público Federal do Amazonas editou a Recomendação 01/2024 visando a suspensão de operação, contratos, tratativas e comercialização de créditos de carbono, indicando a inviabilidade e ineficácia de REDD para solucionar a crise climática. Além dos contratos entre empresa-comunidade, a Recomendação do MPF Amazonas alcança a concessão florestal que o governo amazonense teria estimado um quantitativo de projetos de REDD+ nas 21 UCs concedidas, abrangendo 11,9 milhões de hectares de terras públicas, 483 comunidades e 8050 famílias, com atuação de empresas como a Future Carbon (brasileira), que recebeu 12 concessões, da Ecosecurities (suíça), com três; a BR Carbon (brasileira), Carbonext (brasileira) e Permian Global (inglesa) com duas cada.
No entanto, em 2024, o Conselho Nacional do Ministério Público revogou liminarmente a Recomendação (Procedimento de Controle Administrativo – PCA nº 1.01023/2024-52), sob o argumento de extrapolação da atuação do Ministério Público Federal do Amazonas. Houve recurso contra a decisão. No mesmo ano, o MPF do Amazonas ajuizou Ação Civil Pública (Processo nº 1040956-39.2024.4.01.3200 a tramitar na 9ª Vara da Justiça Federal Subseção Amazonas) contra o Estado do Amazonas e a Fundação Nacional do Povos Indígenas – FUNAI prevendo aplicação de multa de 5 milhões de reais.
Até a COP 30…
O Pará, como lugar da COP 30, tem acumulado historicamente falsas soluções climáticas e o acordo firmado com a Emergent demonstra o quanto a agenda estatal está associada à geração de lucros a partir de uma lógica de compensação. Para a Professora Marcela Vecchione-Gonçalves essa lógica de compensação, a lógica de mercado, está presente no próprio Acordo de Paris, mais especificamente no artigo 6, o que não significa que o ERPA firmado com Emergent seja correto, pelo contrário, é a afirmação de que uma lógica global perversa tem sido usada indiscriminadamente nos países signatários e instâncias subnacionais. “Lucros, retornos e benefícios por meio do que o contrato proporciona é muito desigual, então, eu acho que por estar no bojo do artigo 6 que é um artigo muito polêmico ainda de Paris que ainda tem muita coisa pra ser resolvida especificamente nos itens 6.2 e 6.4 então eu acho que no contexto da COP 30 esse Acordo [ERPA] específico do Governo do Estado do Pará, ele nos aponta uma falsa solução e uma falsa solução sendo penetrada justamente no território no local de realização da COP”, explica Marcela.
No relatório “Clima S.A. – Soluções baseadas na natureza e emissões líquidas zero” elaborado pela FASE se aborda como as metas climáticas giram em torno do conceito de emissões líquidas zero, que traduz a lógica da compensação, onde não se resolve o problema e ainda se produz formas de financeirização da natureza. “As principais iniciativas da UNFCCC para promover metas e políticas de redução das emissões de GEE mais ambiciosas, entre as partes da Convenção, incentivam o conceito de emissões líquidas zero. Há uma diversidade de atores envolvidos, em especial, corporações, grandes organizações conservacionistas, empresas de consultoria e de certificação de carbono” (Clima S.A.).
O caminho de Baku (COP29) a Belém (COP30) tende a ser um caminho de ainda mais apostas em mecanismos de mercado como resultados das negociações climáticas. Os efeitos dessa aposta serão a realização de instrumentos cada vez mais abusivos de lidar e manejar as florestas. O Governo do Pará poderá seguir em negociações abusivas caso as Recomendações sobre direito de CPLI e venda antecipada de créditos de carbono não sejam acatadas ou sejam cassadas. Na perspectiva da COP 30 como espaço de negócios climáticos e arranjos público-privados envolvendo grandes corporações poluidoras e responsáveis por conflitos socioambientais em escala global, o Pará vai se firmando como liderança subnacional do greenwashing, da lavagem verde.