Venda antecipada de crédito de carbono pelo Pará está em xeque

O Governo do Pará e a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. recorreram da recomendação do MPF e MPPA sobre venda antecipada de créditos de carbono. Audiência de conciliação promovida pelo Conselho Nacional do Ministério Público deve ocorrer dia 03 de junho de 2025 para tratar da Recomendação nº 07/2025 expedida pelo MPF e MPPA que trata da anulação do acordo firmado entre a Companhia de Ativos Ambientais do Pará S.A e a Emergent em 2024 sobre comercialização de certificados de redução de emissões de gases de efeito estufa no Pará.

30/05/2025 às 15h47 Atualizada em 03/06/2025 às 13h08
Por: Tapajós de Fato Fonte: Tapajós de Fato
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Foto reprodução da internet
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Por Redação do Tapajós de Fato em colaboração com FASE Amazônia

Em 21 de maio, o Procurador Relator Dr. Paulo Cezar dos Passos, do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, decidiu suspender os efeitos da Recomendação nº 7/2025, expedida em conjunto pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado do Pará, até que seja realizada a audiência de conciliação agendada para dia 03 de junho entre MPF, MPPA, Governo do Pará e Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. (CAAPP). 

A decisão do CNMP foi dada em um processo interno de fiscalização do Ministério Público, chamado de Procedimento de Controle Administrativo (o nº 1.00428/2025-36), aberto a pedido do Governo do Pará e Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará S.A. por estes discordarem da Recomendação nº 07/2025 expedida conjuntamente pelo MPF e MPA visando a anulação do Acordo de Compra de Redução de Emissões (traduzido de Emission Reduction Purchase Agreement – ERPA) celebrado entre Governo do Pará por meio da CAAPP e a Emergent Forest Finance Accelerator (Emergent), entidade internacional sem fins lucrativos.

A recomendação dos MPs

Na referida recomendação, consta que em 24 de setembro de 2024, na Casa Amazônia NY, evento que integrou a Semana do Clima de Nova York, o Estado do Pará anunciou a venda de quase R$1 bilhão em créditos de carbono e garantia de financiamento da Coalizão LEAF. Para o MP, tal venda envolveria diretamente interesses socioambientais cruciais de povos e comunidades tradicionais. Além disso, estaria definida a natureza jurídica do objeto de tal comercialização como valor mobiliário tal como definido na Lei que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), a Lei 15.042/2024, e com base na mesma Lei haveria vedação de sua venda de forma antecipada. No entendimento do MPF e do MPPA, o Acordo de venda de crédito de carbono entre CAAPP e Emergent é ilegal por ferir o disposto no no art. 2º, XXVI, da Lei 15.042/2024. 

Governo do Pará e CAAPP não acataram a Recomendação e pediram sua desconstituição. Ambos acusaram que o MPF é incompetente para promover uma Recomendação sobre um acordo realizado a nível estadual. Afirmaram ainda que o Acordo foi firmado antes da promulgação da Lei do SBCE, uma lei cujos efeitos não retroagem, ou seja, não alcança o que foi feito antes de sua publicação. E que a melhor medida poderia ser a adaptação do acordo e não sua dissolução. Antes da decisão do CNMP, a SEMAS/PA informou que foi firmado um termo aditivo ao ERPA. 

A Procuradoria Geral de Justiça do MPPA voltou atrás em alguns pontos da Recomendação e solicitou sua suspensão. O Relator do Conselho Nacional do Ministério Público, ao considerar as dúvidas existentes quanto à natureza do Acordo celebrado e o risco financeiro de sua anulação, decidiu pela suspensão da Recomendação e abertura do procedimento conciliatório.

Em entrevista ao Tapajós de Fato, a quilombola e advogada Dr. Queila Couto comentou que “a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) de suspender a recomendação de anulação do contrato de créditos de carbono do Pará destaca a complexidade jurídica e econômica do mercado de carbono no Brasil”. Para a advogada, impactos econômicos estão em jogo, mas também os territórios de povos e comunidades tradicionais e quilombolas estão diretamente ligados à discussão sobre crédito de carbono no Pará. “Os territórios podem ser diretamente influenciados pelas negociações de créditos de carbono. A ausência de uma regulamentação clara pode gerar insegurança jurídica e riscos de exploração indevida, comprometendo os direitos dessas populações”, comenta Couto. Dra. Queila Couto ainda indica a pertinência da intervenção do MP nas tratativas sobre carbono, “o Ministério Público desempenha um papel essencial na fiscalização, garantindo que as negociações ocorram dentro da legalidade, protegendo interesses ambientais e sociais, prevenindo fraudes e resguardando os direitos de povos e comunidades tradicionais”.

Entendendo melhor o acordo entre Pará e Emergent

Para saber mais sobre o ERPA, a equipe do Tapajós de Fato entrevistou a Professora do NAEA da UFPA e pesquisadora da Rede Climatizando, Marcela Vecchione-Gonçalves. Para a Professora, o ERPA é um modelo internacional de contrato de certificados de redução de emissões. Marcela explica que o uso desse modelo contratual remonta um período anterior ao Acordo de Paris e que foi apropriado nas novas metas climáticas dentro de uma lógica de compensação. O ERPA tem um vício de origem por ter sido para venda antecipada de crédito de carbono, explica a professora. “O Governo do Estado do Pará se utilizou desse instrumento que é o ERPA  como qualquer governo ou qualquer instância que se envolva com venda antecipada de redução de emissões que vão gerar créditos de carbono”, afirmou. 

Emergent, a entidade sem fins lucrativos que celebrou o ERPA com o Pará coordena a  Coalizão LEAF. De acordo com informações do site da Coalizão, ela é “uma parceria público-privada única focada em deter o desmatamento tropical até 2030. Ao reunir governos florestais, o setor privado, governos doadores, Povos Indígenas, comunidades locais e a sociedade civil, a LEAF visa levantar e aplicar o financiamento necessário para enfrentar o desmatamento, fazendo com que as florestas tropicais valham mais vivas do que mortas (...) A LEAF visa canalizar fundos para governos florestais por meio da compra de créditos de REDD+ jurisdicional de alta integridade”. A Emergent é, portanto, a coordenadora de um grupo que busca por meio de créditos de carbono promover greenwashing de empresas e cumprir metas climáticas dos países poluidores por meio de compensação.

O Pará estaria então vendendo “licenças para poluir” para países e empresas. Em setembro de 2024 em entrevista para o programa Bom dia Pará da TV Liberal, Helder Barbalho afirmou: “as empresas internacionais estão emitindo gases de efeito na atmosfera (...) o mercado internacional está cobrando a redução de emissões (...) em vez de mudar sua produção (elas) estão comprando crédito de carbono para poder neutralizar e balancear esta situação ambiental”.

O REDD+ Jurisdicional

Na Recomendação nº 07/2025, suspensa até o momento pelo CNMP, consta a preocupação da elaboração do ERPA com essa grande promessa financeira enquanto o Sistema Jurisdicional de REDD+ do Governo do Pará ainda está em fase de elaboração. O Sistema Jurisdicional de REDD+ seria uma estrutura de governança que abarcaria mecanismos de mercado e de não mercado para redução de emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação com manejo de florestas e aumento do estoque de carbono (REDD+).

Para o Doutorando do INEAF/UFPA e especialista no tema, Carlos Ramos, o Governo do Pará tem tentando a vários custos implementar o chamado REDD+ Jurisdicional. No REDD Jurisdicional, “os governos atuam para estabelecerem metas de redução do desmatamento e regras para a implantação de projetos relacionados ao tema, e tais abrangências podem ser nacionais (esferas federais) ou subnacionais (estados e municípios), onde o REDD+ jurisdicional pode ser financiado por entidades públicas ou privadas por meio de contratos de pagamento baseado em resultados”, explica o pesquisador.

Atualmente, o site da SEMAS/PA indica que o Sistema Jurisdicional de REDD+ ainda está em construção e que o estabelecimento do Sistema Jurisdicional de REDD+ no Pará está sendo “construído a partir de um conjunto de componentes essenciais para garantir o seu funcionamento e obter os resultados esperados”. Os componentes estruturantes são: estruturação de um marco legal; criação de um mecanismo financeiro; desenvolvimento de um sistema de informação de salvaguardas; e estruturação de um sistema de MRV. De acordo com o pesquisador Carlos Ramos, o Governo do Pará está elaborando um Projeto de Lei que institua o jurisdicional do Pará, ao mesmo tempo em que promove a tentativa de convencimento de povos e comunidades tradicionais sobre as vantagens do REDD jurisdicional sem debater seu custo social e sem realizar até o momento procedimentos de consulta prévia, livre e informada. Para o pesquisador, o atropelo do Sistema Jurisdicional foi a criação da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará Sociedade Anônima (CAAPP), empresa público-privada que irá gerenciar os recursos dos pagamentos feitos, com possibilidade de pagamento a acionistas da companhia e que tem atualmente como presidente um ex-executivo da Amazon.

E a consulta prévia?

A metodologia proposta para o Sistema Jurisdicional seria a metodologia ART-TREES para elaboração dos certificados de redução de emissões a ser aplicada em toda a jurisdição alcançando territórios de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, grupos esses a serem também beneficiados com salvaguardas próprias e percentual de repartição de benefícios. Para garantir a participação efetiva das comunidades tradicionais na estrutura de governança climática, o direito à consulta prévia, livre e informada deve ser respeitado. Para a Dra Queila Couto, esse direito é fundamental para que as comunidades compreendam o processo de elaboração do REDD+ Jurisdicional, avaliem seus potenciais benefícios e riscos e identifiquem quais políticas públicas podem ser garantidas por meio dessas negociações. “Com esse entendimento e possam tomar decisões de forma autônoma e consciente, escolhendo livremente se desejam ou não fazer parte desses acordos, sempre respeitando a organização social e os interesses coletivos”, explica a advogada.

O direito de consulta prévia, livre e informada para elaboração de contratos pelo Governo do Pará foi objeto da Recomendação nº 8/2024 do MPF e 14/2024 do MPPA. Além de ser um tema já apresentado, seja para os contexto de sistema jurisdicional, seja para contratos privados firmados entre e comunidades, o direito a CPLI é discutido em Notas técnicas do Ministério Público e de organizações e movimentos sociais como a elaborada pela Terra de Direitos, Malungu e CONFREM - Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Marinhas. Para a Dra Queila, a conciliação sobre a venda antecipada de créditos de carbono “pode ser uma oportunidade para garantir que as comunidades tradicionais sejam devidamente consultadas, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT, e que sejam beneficiadas de maneira efetiva”.

A atuação do MP sobre crédito de carbono em outros estados

Em 2024, o Ministério Público Federal do Amazonas editou a Recomendação 01/2024 visando a suspensão de operação, contratos, tratativas e comercialização de créditos de carbono, indicando a inviabilidade e ineficácia de REDD para solucionar a crise climática. Além dos contratos entre empresa-comunidade, a Recomendação do MPF Amazonas alcança a concessão florestal que o governo amazonense teria estimado um quantitativo de projetos de REDD+ nas 21 UCs concedidas, abrangendo 11,9 milhões de hectares de terras públicas, 483 comunidades e 8050 famílias, com atuação de empresas como a Future Carbon (brasileira), que recebeu 12 concessões, da Ecosecurities (suíça), com três; a BR Carbon (brasileira), Carbonext (brasileira) e Permian Global (inglesa) com duas cada.

No entanto, em 2024, o Conselho Nacional do Ministério Público revogou liminarmente a Recomendação (Procedimento de Controle Administrativo – PCA nº 1.01023/2024-52), sob o argumento de extrapolação da atuação do Ministério Público Federal do Amazonas. Houve recurso contra a decisão. No mesmo ano, o MPF do Amazonas ajuizou Ação Civil Pública (Processo nº 1040956-39.2024.4.01.3200 a tramitar na 9ª Vara da Justiça Federal Subseção Amazonas) contra o Estado do Amazonas e a Fundação Nacional do Povos Indígenas – FUNAI prevendo aplicação de multa de 5 milhões de reais.

Até a COP 30…

O Pará, como lugar da COP 30, tem acumulado historicamente falsas soluções climáticas e o acordo firmado com a Emergent demonstra o quanto a agenda estatal está associada à geração de lucros a partir de uma lógica de compensação. Para a Professora Marcela Vecchione-Gonçalves essa lógica de compensação, a lógica de mercado, está presente no próprio Acordo de Paris, mais especificamente no artigo 6, o que não significa que o ERPA firmado com Emergent seja correto, pelo contrário, é a afirmação de que uma lógica global perversa tem sido usada indiscriminadamente nos países signatários e instâncias subnacionais. “Lucros, retornos e benefícios por meio do que o contrato proporciona é muito desigual, então, eu acho que por estar no bojo do artigo 6 que é um artigo muito polêmico ainda de Paris que ainda tem muita coisa pra ser resolvida especificamente nos itens 6.2 e 6.4 então eu acho que no contexto da COP 30 esse Acordo [ERPA] específico do Governo do Estado do Pará, ele nos aponta uma falsa solução e uma falsa solução sendo penetrada justamente no território no local de realização da COP”, explica Marcela.

No relatório “Clima S.A. – Soluções baseadas na natureza e emissões líquidas zero” elaborado pela FASE se aborda como as metas climáticas giram em torno do conceito de emissões líquidas zero, que traduz a lógica da compensação, onde não se resolve o problema e ainda se produz formas de financeirização da natureza. “As principais iniciativas da UNFCCC para promover metas e políticas de redução das emissões de GEE mais ambiciosas, entre as partes da Convenção, incentivam o conceito de emissões líquidas zero. Há uma diversidade de atores envolvidos, em especial, corporações, grandes organizações conservacionistas, empresas de consultoria e de certificação de carbono” (Clima S.A.).

O caminho de Baku (COP29) a Belém (COP30) tende a ser um caminho de ainda mais apostas em mecanismos de mercado como resultados das negociações climáticas. Os efeitos dessa aposta serão a realização de instrumentos cada vez mais abusivos de lidar e manejar as florestas. O Governo do Pará poderá seguir em negociações abusivas caso as Recomendações sobre direito de CPLI e venda antecipada de créditos de carbono não sejam acatadas ou sejam cassadas. Na perspectiva da COP 30 como espaço de negócios climáticos e arranjos público-privados envolvendo grandes corporações poluidoras e responsáveis por conflitos socioambientais em escala global, o Pará vai se firmando como liderança subnacional do greenwashing, da lavagem verde.

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