Dragagem no rio Tapajós: população participa de audiência de conciliação na Justiça Federal e reivindica consulta prévia, livre e informada

Esta é a segunda audiência solicitada pelo Ministério Público Federal, o motivo da realização desta, é devido a ausência de conciliação na primeira audiência. Essa sessão teve como motivo exigir que os órgãos respeitem a legislação e condenar o estado do Pará e o DNIT por atropelar a legislação ante a permissão de dragagem do rio Tapajós. Alguns representantes do governo participaram de maneira remota.

03/06/2025 às 12h56
Por: Conce Gomes
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Foto: Tapajós de Fato
Foto: Tapajós de Fato

No início de 2025 uma obra no rio Tapajós chamou atenção de moradores, que por não saberem do que se tratava começaram a denunciar nas redes sociais a movimentação que ocorria no rio. A obra se tratava de uma dragagem com autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS/PA) através autorização nº 5776/2025, válida até 12 de fevereiro de 2026, que foi solicitada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), com objetivo de facilitar os comboios de barcaças do agronegócio na Hidrovia do Tapajós.

Mas essa autorização vai contra a recomendação nº 11/2024 do Ministério Público Federal (MPF), e também uma decisão judicial que determinava a suspensão do processo até a realização de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas e tradicionais afetadas.

O Tapajós de Fato fez uma reportagem especial com informações sobre a dragagem, ouvindo lideranças da região sobre os impactos da obra. Leia a reportagem completa:

Governo do Pará autoriza dragagem no rio Tapajós, contrariando recomendação do MPF e decisão judicial

Após o ocorrido, a população junto aos movimentos sociais tem lutado para que respeitem os seus direitos a consulta prévia, livre e informada.

Luta da população em defesa do rio Tapajós 

A mobilização da população se deu a partir da provocação de entidades representativas de povos indígenas e povos tradicionais ao perceberem a dragagem no rio, que comunicaram tal ação em uma reunião na FUNAI, em Brasília, foi então que o MPF agiu.

Em entrevista ao Tapajós de Fato, o Procurador Vítor Vieira conta que, “logo após isso, a gente instalou um procedimento e começou a investigar, e o DNIT confirmou a existência desse projeto”. Isso fez com que o MPF expedisse a primeira audiência em 2024, que não foi cumprida pelo DNIT nem pelo Estado em razão da DHG do início deste ano de 2025, por isso a ação civil pública. O procurador Vítor Vieira disse ainda que “é muito importante destacar que o MPF tem reforçado a necessidade do judiciário ouvir diretamente as lideranças. Sem intermediários. O MPF tem o dever de defender os direitos e interesses dos povos e comunidades tradicionais, mas ele não pode falar no lugar dessas comunidades. Essas comunidades têm o direito de se expressar e de falar por si mesmas, inclusive no judiciário. Esse é um direito garantido por uma resolução do Conselho Nacional de Justiça. E o MPF tem reforçado essa participação até como uma forma de sensibilizar o judiciário e promover o conhecimento tradicional dessas comunidades”.

Na primeira audiência nenhuma medida foi tomada, pois a juíza entendeu que não havia elementos suficientes para conceder a tutela de urgência, que é uma medida judicial que permite antecipar ou garantir a proteção de um direito antes da defesa final. Dessa forma, o MPF recorreu com base nos documentos técnicos do ICMBio tanto da Resex, da Flona e do Ibama em relação ao Tabuleiro de Monte Cristo (santuário de tartarugas). O MPF recebeu de lideranças das comunidades tradicionais relatos de danos ambientais na Resex e Flona.

Outro fator, cujo argumento utilizado pela Juíza para indeferir a liminar na primeira audiência foi a ausência de perigo de dano na memória. Acreditou-se que a dragagem emergencial feita no início do ano já havia terminado e portanto não havia necessidade de decisão judicial nesse momento, no entanto “o MPF entende que há um projeto no DNIT para que seja realizada uma dragagem anual no rio Tapajós que é considerado uma hidrovia, e independente da fase inicial desse processo é necessário garantir desde logo aí, salvaguardas ambientais previstas no ordenamento jurídico para prevenir, mitigar ou compensar os danos socioambientais”, afirmou Vitor Vieira.

Em salas diferentes, participantes das organizações acompanhavam a audiência de forma remota e as lideranças estiveram pessoalmente com a juíza Grace Anny de Souza Monteiro, que acompanha o caso. 

Esta é a segunda audiência solicitada pelo Ministério Público Federal, o motivo da realização desta, é devido a ausência de conciliação na primeira audiência. Essa sessão teve como motivo exigir que os órgãos respeitem a legislação e condenar o estado do Pará e o DNIT por atropelar a legislação ante a permissão de dragagem do rio Tapajós. Alguns representantes do governo participaram de maneira remota.

 

Foto: Francelurdes

O professor Everaldo Portela, Sociólogo e doutor em Ciências pela UFOPA nos cedeu entrevista compartilhando a seriedade do problema que é a dragagem no rio Tapajós. “...Com relação a dragagem no rio Tapajós, um problema sério que nós estamos enfrentando é que ela é uma dragagem totalmente irregular porque a população não foi consultada, não foi informada, não foi feito nenhum estudo de impacto ambiental e de tal maneira que essa dragagem não poderia ter acontecido Infelizmente o governo atropelou toda a legislação e fez uma dragagem emergencial. E novamente a tendência é que outra dragagem aconteça a título de dragagem emergencial. Isso não pode mais se repetir”.

É obrigação do governo fazer a consulta às comunidades e sobretudo as comunidades ribeirinhas, tradicionais, quilombolas, indígenas que estão no entorno da área de dragagem, e fazer os estudos que são necessários de impacto para que a população seja efetivamente informada dos prejuízos que isso tudo pode causar.

A dragagem atinge um ecossistema muito sensível e delicado do leito dos rios, e quando esse material é retirado, afeta a vida aquática da qual a população do entorno se alimenta. É todo um ambiente rico em biodiversidade e de alto valor econômico para as populações, pois está ligada ao sustento das famílias ribeirinhas. Um outro problema que acontece normalmente na dragagem é que as grandes empresas promovem e exigem a dragagem para facilitar o acesso das suas grandes embarcações e jogam todo o rejeito da dragagem no próprio rio, prejudicando o acesso dos pequenos barcos e canoas das populações que vivem no entorno. 

O professor diz ainda que “a dragagem acaba beneficiando uns e prejudicando outros. Então não adianta você repetir este modelo de dragagem que tira de um lado e joga no outro lado do rio, né? Então as empresas deveriam também repensar, o próprio governo deveria repensar esse modelo de dragagem. Se há necessidade de dragar, tem que indenizar as populações e procurar uma metodologia que seja menos agressiva ao ambiente. É porque nós temos a dragagem promovendo dois tipo de agressão: o ato de dragar em si que prejudica toda a fauna aquática e depois o ato de jogar os rejeitos no próprio rio que continua prejudicando a fauna aquática e prejudicando ainda mais a população, porque isso os igarapés açoreira as áreas de navegação e de acesso às comunidades dificultando ainda mais a vida da população ribeirinha”.

A dragagem ocorreu sem consulta à população, direito resguardado institucionalmente, a partir desse fato que a população reivindica por respeito à legislação e seu direito de consulta antes que qualquer tipo de projeto seja feito no rio que possa prejudicar a vida dos povos. O vice- coordenador do Citupi - Conselho Indígena Tupinambá, Marcílio Serrão, esteve na audiência e se posicionou. “O nosso posicionamento é que qualquer intervenção no rio, seja ela emergencial ou programada, o estado brasileiro deve fazer a consulta, né? Consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais diretamente ou potencialmente impactadas. No caso do nosso povo Tupinambá, nós estamos na margem esquerda do Rio Tapajós próximo a locais onde foram autorizados pela SEMAS que fosse feita a dragagem e temos que ser ouvidos, temos que ser consultados, porque nós vamos ser, na verdade já somos impactados pelas mudanças climáticas diretamente”.

O resultado da audiência se mostrou em parte positiva mediante a decisão judicial da não continuidade da dragagem no rio, tanto em questão de projeto, estudo de impacto ambiental e consulta livre, prévia e informada às comunidades do entorno do projeto. Jonhson Portela, do Movimento Tapajós Vivo e membro do GT- Infra Estrutura e Justiça  Socioambiental, disse ainda que “em contrapartida ainda ficou devendo no sentido de necessidade de que a justiça federal, a justiça estadual, as secretarias entendam que precisam respeitar tanto esses processos de licenciamento ambiental quanto a consulta a essas comunidades, a esses povos que não adianta vir com projetos onde eles acham que são emergenciais e que por ser emergencial a concepção deles é válido qualquer tipo de destruição ambiental e social para viabilizar esses projetos. Porque o projeto de dragagem no rio Tapajós, termo que eles usam de emergencial, não é emergencial para as comunidades, não é emergencial para os povos, é emergencial para o um setor da economia que é o agronegócio. Não é uma emergência de pessoas isoladas que estão precisando de saúde no período da seca, não é isso. E sim para a viabilidade do rio para transportar sojas e grandes embarcações fundas. Então precisa-se de mais espaço nas águas e  tem que cavar pra isso. E aí é que está tudo errado”.

Em âmbito ético e moral, a audiência teve esse caráter de analisar, e um dos ganhos foi manter o projeto arquivado, porém, ainda há o que se discutir sobre a questão do que é emergencial e porque, pois, o que pode ser emergencial para o governo, sem consultar e sem respeitar o direito ambiental pode trazer prejuízos às comunidades.

Dessa forma, ao final da audiência ficou determinado o seguinte: compromisso tanto do DNIT, quanto do estado do Pará em comunicar os órgãos ambientais e competentes, as comunidades tradicionais por intermédio do juiz e os municípios eventualmente afetados caso ocorra uma intervenção de caráter emergencial no rio Tapajós. Caso seja possível o cumprimento, existe tempo hábil para cumprir a consulta prévia, livre e informada. O estado do Pará manifestou que a prioridade é o cumprimento da consulta prévia, livre e informada se houvesse caso para tanto. Ocorreu também a intimação dos órgãos presentes, que foram convidados para participar da audiência de conciliação, para que manifestem interesse de ingressar no mesmo prazo, conforme acordado, além da contestação o DNIT juntar um cronograma indicando passo a passo das etapas processuais, do licenciamento, dos moldes, do pedido principal formulado pelo Ministério Público e indicando perspectivas de prazo para o cumprimento de cada etapa.

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