Estamos na beirada de receber a Conferência do Clima das Nações Unidas em Belém. No entanto, a capacidade da cidade amazônica de sediar o evento ainda está sendo questionada, nacional e internacionalmente. Enquanto isso, os temas das negociações climáticas, como as NDCs, ficam em segundo plano ou nem são mencionados.
No momento do mundo em que vivemos, de muitos conflitos e instabilidade, o simples fato de ainda estarmos empreendendo esforços para a colaboração e construção multilateral já é significativo — mesmo com as suas limitações e dificuldades.
A realização de uma conferência internacional em Belém está dando ao mundo — e principalmente ao Brasil — a oportunidade de conhecer diferentes realidades, revelar e admirar raízes que uma parte significativa dos brasileiros pouco ou nada conhece.
Eu cresci assistindo às novelas da Globo e, por isso, sinto que conheço cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, mesmo tendo passado apenas alguns dias nelas. Conheço alguns nomes de bairros, expressões, consigo diferenciar os sotaques. Consigo até identificar alguns dos estereótipos que sei que são depositados em quem é desses lugares.
Essa não é a mesma sensação de quem cresceu vendo apenas a si mesmo, como em um espelho, sem qualquer relação ou contato com outras regiões e estados do Brasil.
Eu sou do Acre, um lugar que comumente é posto no não-lugar, na inexistência. Essa “piada” velha de que “o Acre não existe” é reproduzida Brasil afora, revelando não apenas a falta de criatividade de quem a faz, mas também suas limitações.
Limitações porque quem nega a existência de um lugar — e, consequentemente, das pessoas que ali vivem, crescem e se relacionam entre si, com a natureza e com o mundo — perde a oportunidade de aprender com aquele lugar sobre o outro, e também sobre si mesmo.
Lamento que quem afirma que o Acre não existe não conheça e nunca tenha provado a nossa deliciosa baixaria, não reconheça a grandiosidade da história do movimento socioambiental que brotou e empatou a derrubada da floresta e inspirou o mundo, desconheça a história de Chico Mendes, Marina Silva, Wilson Pinheiro, Valdiza Alencar e tantos outros.
Lamento porque essa pessoa não sabe que o Acre é o ponto de encontro da culinária de povos muito diferentes, mas que se misturaram por aqui: indígenas, nordestinos, sírio-libaneses, bolivianos, peruanos e negros. Com isso, temos pratos que misturam tucupi, cuscuz, cominho, pimenta-síria e muito mais.
Não sabe dos nossos geoglifos e descobertas arqueológicas surpreendentes, não conhece o Santo Daime e nossas manifestações culturais e religiosas tão únicas.
Por isso, quando observo continuamente Belém ser questionada como o local ideal para a 30ª edição da conferência internacional do clima — não só por causa da capacidade logística da cidade, mas por meio de questionamentos que esbarram na xenofobia e no racismo — eu entendo que esse é mais um problema de limitação. Nesse ponto, até mesmo quem acredita na importância de manter a floresta em pé age como o colonizador.
Enquanto nos inferiorizam e negam a nossa existência, as pessoas não podem conhecer a nossa história, aprender conosco e, a partir das nossas diferenças, também aprender mais sobre si e sobre o próprio território. Perdem a oportunidade de conhecer nossas referências e saber quais são e como as soluções climáticas são elaboradas por aqui.
Nós perdemos, e ficamos desgastados com as tentativas de apagamento — mas o outro lado perde muito mais, porque continua dando voltas em círculo, continua limitado, porque não tem acesso aos tesouros que nós temos: a nossa cultura, nossa criatividade, nosso jeito de falar — e até ao nosso tempo, que é diferente.
Ainda não estamos sendo capazes de envolver as pessoas nos processos de decisão a nível local, nacional e internacional — e é isso que deveria estar sendo questionado. Falta compromisso com o envolvimento e com uma ambição climática que coloque as pessoas no centro. Mas isso não está virando notícia.
Por conta da COP em Belém, muitos grupos — em especial de comunidades tradicionais e indígenas — estão se organizando e se preparando para participar da conferência pela primeira vez. Estão falando de metas globais, estão se preparando para acompanhar as negociações, e até construindo, com as próprias mãos, espaços que para eles fazem mais sentido do que a Conferência das Partes. Isso só está acontecendo porque a COP vai acontecer na Amazônia — e isso deveria estar sendo celebrado e fortalecido. A conferência vai acontecer cercada de gente, em um lugar onde as pessoas ainda são pouco representadas em espaços de decisão no Brasil e na agenda climática internacional.
A primeira vez que estive em Belém foi no ano passado, em uma oportunidade de trabalho que surgiu por causa da COP 30. E, enquanto amazônida, lamento muito a nossa gravíssima falta de mobilidade entre as Amazônias. A dificuldade que temos em nos movimentar e em conseguir aprender com vivências tão parecidas e tão diferentes das nossas, porque somos muito vastos e diversos.
Em meio à rotina frenética das negociações internacionais, ainda não tenho certeza de quanto esse processo conseguirá realmente se abrir para as pessoas e bases que estão se mobilizando para se fazer presentes e eloquentes.
Mas acredito fortemente que o legado da COP 30 já está sendo construído pelas bases, com pequenos exemplos do envolvimento de quem tem críticas ao processo, mas sabe o quanto ele é importante.