Nos encantamentos, nas festas populares, nos entrelaçamentos entre sagrado e profano que a cultura popular se forjou com muito sangue e luta, sempre há a linha tênue que faz do humano mais divino, assim como diviniza as poucos o humano. O corpo sempre teve suas formas de linguagem, como meio ou estandarte de significância da nossa presença no mundo, dos primórdios da humanidade ao exato momento presente.
O futebol como expressão corporal e simbólica talvez seja uma das poucas que transita entre o sagrado e profano com tanta naturalidade e vocação. Não são poucas as vezes onde alguém, em um estádio presencia um milagre, diante de um jogo se sentiu parte de algo maior que si.
Diego Armando Maradona Franco, nasceu em 1960, em um bairro pobre da Argentina. Nenhum jogador representou tanto o espírito da América Latina. Nas “veias abertas da América Latina” como diz Eduardo Galeano, o futebol de Maradona representa a coragem de todos aqueles que resistem a tantas investidas que atacam a nossa cultura, que perpetuam os resquícios da colonização. A copa do Mundo de 1986, Maradona sofreu o maior números de faltas de um jogar na história das copas do mundo, como se o mundo europeu perseguisse e fosse incapaz de parar o espírito incorrigível latino-americano, não atoa, daquele ano até hoje, o argentino é o detentor do maior número de dribles em uma única copa, 56. A final, Argentina e Inglaterra, era a personificação do imperialista conflito armado nas Ilhas Malvinas(no atlântico sul) de quatro anos antes, causadora da morte de 258 britânicos e 649 argentinos. O gol mais polêmico da história da copas e o mais maravilhoso, distantes apenas 4 minutos, uma dualidade que só a terra mais rica e mais desigual do mundo pode proporcionar ao mundo. Da terra onde o popular recusa a travestir-se em oficial. Do jogador que encarnava tudo isso, em curtos e rápidos dribles.
Como se não fosse suficiente a lenda nos solos sagrados dos gramados, Maradona exercia fora do campo sua total influência como personalidade no maior esporte do mundo. Exercia uma paixão pelas causas humanas e enfrentava a imposição dos poderes hegemônicos que não fogem também ao âmbito no futebol, muito pelo contrário. Para além de seu defeitos e erros, que só o fizeram mais humano, Maradona representa tudo que não podemos descrever mas que sentimos, em seus dribles, seus posicionamentos, sua relação com TODAS as torcidas que foi ídolo, Maradona foi e sempre será a América Latina.
Sobre atuais discussões uma frase de um taxista anônimo em uma crônica do escritor argentino Ricardo Piglia sobre quem seria melhor, Messi ou Maradona diz: “Messi é quem eles queriam de nós, Maradona é o que realmente somos, e com orgulho”.