Vidas Negra importam também na Amazônia: o cruel assassinato de Apolinário Oliveira e o tratamento desumano da justiça para corpos negros

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15/02/2021 às 17h38 Atualizada em 16/02/2021 às 12h09
Por: Alejandro Falabelo
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Vidas Negra importam também na Amazônia: o cruel assassinato de Apolinário Oliveira e o tratamento desumano da justiça para corpos negros

“...o sol foge do dia e a noite vem buscar todas as coisas perdidas e eu fico a imaginar sem ter noção querendo agarrar Tuas mãos clamando em vão pelos Teus pés e fico a blasfemar na escuridão...”
- Apolinário Oliveira

 

O dia 1º de dezembro de 2020, foi marcado pela notícia do falecimento de Manoel Apolinário Oliveira de Sousa, 50 anos, artista plástico santareno, que foi vítima do disparo de arma de fogo em uma festa de comemoração pelo resultado das eleições do dia 15 de novembro. O autor do disparo foi identificado pelos canais de notícia como Sandro Correa Carvalho, vulgo “Sandrinho” ou “Santos”. Segundo consta das informações divulgadas, o acusado se apresentou à polícia civil da cidade dois dias após o ocorrido (antes do óbito de Apolinário) e entregou a arma de fogo utilizada no crime. Após o falecimento de Apolinário, o Ministério Publico apresentou denúncia contra o acusado visando a sua condenação pelo crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil. A ação criminal está sendo julgada na 3ª Vara Criminal de Santarém, responsável por julgar os crimes dolosos contra a vida. A pedido Ministério Público, o juízo expediu mandado de prisão preventiva contra o acusado que permanece, até a presente data, foragido. E assim, a família, os amigos e a sociedade, continuam sem resposta da justiça.

O cruel assassinato do artista plástico santareno é mais um triste episódio de violência do cotidiano e de seletividade de um sistema penal brasileiro administrado majoritariamente por um judiciário heteronormativo, masculino e branco.  O contexto do crime remete à existência de uma questão que, apesar de um tanto normalizada, é absurda e deve ser combatida: é o fator negritude.

Assim, considerando ainda possíveis disputas políticas que eventualmente estejam ligadas ao caso pelo contexto em que se deu o fato, pergunto: Apolinário seria assassinado de forma tão cruel e diante de um público tão grande, se fosse um homem branco? Diante do que se pode observar da atuação da justiça, haveria tanta demora na captura de um acusado de homicídio se a vítima fosse branca e rica? E se o acusado fosse negro de pele escura e pobre? Para mim, são perguntas retóricas.

Todavia, antes de qualquer conclusão, é preciso considera que muitos dos diversos tipos de violências praticados contra corpos negros são resultantes do racismo estruturado, que no Brasil, encontra-se sustentado em pilares de uma sociedade construída sobre um longo processo de colonização e de escravidão de negros, que, aliados às politicas pós coloniais de embranquecimento da nação e, atualmente, somados aos discursos ideológicos de necropolítica pregados pelo governo atual, promoveram historicamente, e sustentam até hoje, as mazelas sociais que vitimam majoritariamente a população negra. Nesse sentido, é necessário ressaltar, sobretudo, que o processo de escravidão foi autorizado por teorias eugenistas que negavam a humanidade dos corpos negros, nos igualando à posição de animais, sem alma e sem sentimento, portanto, sem direitos fundamentais, exploráveis, portanto.

Não é por acaso que ano após ano, a população negra lidera os rankings de vítimas de violência cometida mediante o uso de armas de fogo e de outros tipos de violência (vide mapa da violência - IPEA). Aparentemente, a população brasileira guarda consigo heranças de condutas coloniais e mantem normalizada a violência contra corpos negros, de forma que permitem que estes corpos sejam violados sem causar provocar espanto. A marginalização social e assassinatos em massa dessa parcela da população, são fatores fundamentais para entender a dinâmica de uma sociedade que banalizou e não mais se comove com a matança de corpos negros.

Um homem negro, abatido de forma covarde, na presença de diversas testemunhas que não puderam fazer nada. É o que a morte de Apolinário tem em comum com o assassinato de George Floyd. No caso do santareno, em que pese não tenha sido praticado por um agente do estado, o assassino utilizou-se de arma de fogo comprada legalmente, mediante autorização do Estado que vem diariamente facilitando a aquisição de armas e munições por indivíduos como o suspeito identificado como “Sandrinho”. Inclusive, há informações de que, antes do assassinato, o acusado foi denunciado pela própria família por estar disparando a arma de fogo no quintal de casa. A arma que na ocasião foi apreendida, também foi devolvida ao acusado que posteriormente usada para ceifar a vida de Apolinário.

Qual a diferente entre Apolinário e George Floyd?

            Aparentemente, os indivíduos negros da sociedade norte americana (acredito que, até por ter passado por um processo de colonização e independência diferentes do brasileiro, entre outros fatores que não cabem ser pontuados aqui), se organizaram para reagir, enquanto indivíduos pertencentes a uma coletividade que tem o potencial para serem vítimas de um sistema arquitetado para matar e condenar pessoas negras em detrimento de pessoas brancas. De outro lado, é possível observar também que existe uma significativa parcela branca da população norte americana que é crítica deste sistema excludente e seletivo.

Em contexto nacional, é impossível de se imaginar pessoas brancas unidas em um cordão de isolamento para proteger pessoas negras manifestando contra o racismo estatal como aconteceram nos protestos contra a morte de George Floyd, pois a sociedade brasileira normalizou o racismo e aprendeu a encontrar justificativas quaisquer para negar a sua existência. Nas periferias, favelas, nos supermercados, no campo, a morte de cidadãos negros inocente viraram notícia, mas existe o fator autorizador que atribui à vítima a responsabilidade pelo próprio fim, e aos autores destes crimes o benefício da dúvida.

Apolinário não foi morto por um indivíduo, a vida de Apolinário foi retirada por uma estrutural social fundada em uma ideologia de superioridade entre indivíduos em função de suas raças e classes, que permitem e toleram atitudes cruéis e desprezíveis como esta. A Amazônia perdeu um grande artista plástico que contribuía significativamente para a região local. Santarém perdeu um filho, artista plástico, poeta, cidadão respeitado por muitos, que viveu dedicado a zelar pela boa aparência da sua cidade. Uma família composta por uma esposa e 5 filhos, perdeu o seu genitor.  Tudo isso, segundo o próprio Apolinário antes de sua morte, em virtude de um comentário jocoso sobre o cachorro do acusado.

Vidas negras importam!! Justiça para Apolinário!!

 

 

·         Nota de rodapé:

Registro meu agradecimento ao blogueiro santareno Jeso Carneiro não se furtou a prestar auxílio para a produção deste texto e, com ajuda de outros, tem utilizado o próprio canal para preservar a memória das obras de Apolinário.

Blog do Jeso Carneiro:

-  encurtador.com.br/mpyLN

- encurtador.com.br/gAFI9

 

·         Referencias

-  O genocídio do Negro Brasileiro – Abdias do Nascimento

- Atlas da Violência – IPEA

- Achille Mbembe – Necropolítica

- Uma história de branqueamento ou o negro em questão - Andreas Hofbauer

- Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica – Adilson Moreira.

- Portal de notícias G1: encurtador.com.br/fpzBY

- Racismo Estrutural – Silvio Almeida

 

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