O Ciclo paramilitar acadêmico: um cálice de conhecimento

.

16/03/2021 às 10h35
Por: Johnson Portela
Compartilhe:
O Ciclo paramilitar acadêmico: um cálice de conhecimento

Antes de tudo é valido ponderar que a analise a seguir é construída de vivências ora pessoais, ou seja, nas observações do dia a dia, ora em conversas informais nos corredores acadêmicos, os “muros das lamentações”, tive a sorte e o privilégio de ter um professor/educador que me orienta, obviamente, existe as exceções, mas que infelizmente não retiram a regra. É na universidade que se promove o conhecimento formal de base científica em qualquer nação, num tripé chamado de pesquisa, ensino e extensão, isto é, evidenciando dados científicos; construindo a aprendizagem técnica e crítica, e por fim realizando trocas entre o campo acadêmico e a comunidade em geral, estendendo suas práticas fora dos domínios universitários.

Porém, como em na maioria das vezes é na prática que explicita uma realidade dúbia, transformando o que era para um aconchegante, um local de reciprocidade do saber, num processo de militarização das relações entre educador e educando, de opressor e oprimido, de orientação para desorientação acadêmica, seja na graduação ou na pós-graduação.

MEIA-VOLTA VOLVER! O primeiro sinal é a hierarquia do tripé da universidade, onde a pesquisa é grau mais importante, é onde se colhe os “louros”, já o ensino é pensando em segundo plano, a extensão é confundida com ação pontual beirando ao assistencialismo, o tripé universitário é na sua essência um ponto de equilíbrio, nada sobressaí, é uma maneira de formar alunos integrais que realizem saberes, que sejam conscientes e sensíveis a sociedade.   

AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE! A música “cálice” de Chico Buarque, de forma esplendida trata da censura, do não se calar na ditadura, pois, o calar-se é uma bebida “amarga”. Dentro da universidade o pensamento crítico na maioria das vezes é seletivo, no “slogan” de liberdade de expressão, que não ultrapassa o simplista direcionamento do não questione muito, ou será o aluno chato da sala de aula, independente das ciências envolvidas o professor estagna a criticidade e a problematização do aluno, até mesmo nos programas de mestrado e doutorado, moldando  o “pesquisador imparcial”, “não fale de política”, “não se posicione”, como se nossa sociedade, a fauna, flora, até mesmo as leis das físicas entre outros, não são processos regidos por procedimentos de constante transformações interligadas aos seres humanos, que são históricas, políticas e filosóficas.

A academia sempre foi um grande exemplo da sociedade, antes mesmo do bolsonarismo, já se via os movimentos de estudantes de direita, reitores da mesma ala no poder, mas antes de tudo, professores que silenciam ou veem um mundo dentro de uma bolha tecnicista, onde seu objeto de estudo é algo isolado do todo, portanto, não veja, não fale e não ouça, nada que fuga ao marasmo.

QUEM NÃO MARCHAR DIRETO, VAI PRESO NO QUARTEL! Paulo Freire se tornou um dos autores mais citados no mundo dentro da academia e fora, porque conseguiu simplificar a educação, ou melhor, popularizar os processos revolucionários da mesma, sobre a opressão e o oprimido, incluindo uma educação crítico e reflexiva, ajudando muitos educadores de que antes de movimentar o ensino tenham a humildade de saber que são inacabados, ou seja, não existe saber mais, ou saber menos, sim, formas diferentes de conhecimentos[1], um exemplo disso é que um biólogo com dois pós-doutorados nunca saberá mais do que um morador da floresta, que pouco sabe ler as palavras, mas conhece por gerações da natureza, o mesmo é valido para um médico, advogado e etc. A realidade é o inverso, os professores doutores  têm-se “embriagado” na arrogância, portanto, nunca questionem a hierarquia, existem os soldados (alunos de graduação), os sargentos (alunos de pós-graduação), e no topo os generais de cinco estrelas, já doutores, já concursados, os pesquisadores, os questionem, mesmo com uma pergunta tola e sofrerão terríveis represálias, para sempre terá apenas uma patente.

Como em qualquer quartel há a dinastia dos sobrenomes, de famílias que entram no exército para “continuar o trabalho do antecessor”, na academia existe o apadrinhamento acadêmico, só ganha bolsas o fulano de tal, participa da pesquisa o ciclano, articula vagas de mestrado e doutorado para beltrano, não se respeita os processos democráticos de seleção, porque a linha de pesquisa é “minha”, assim, o professor têm seu favorito. Um rito cruel que consolida ainda mais o pensamento que a universidade e a pós-graduação é de um grupo de escolhidos, principalmente no ensino público. Há a perpetuação do é “meu” mesmo no que é de todos, “meu laboratório só toca, quem eu autorizar”, mesmo sendo espaço público, uma apropriação indevida.

SELVA! SELVA! Todo militar, é antes tudo um ser inabalável, não sente dor, porque dor é seu lema, sofre na lama, nos exercícios físicos e dentro das ações na selva, é preciso sofrer par aumentar de patente! Um ciclo vicioso, onde o soldado recebe dor, para um dia numa patente maior, punir o novo aspirante a soldado, para sofrer e subir de patente, num ciclo de opressão, maçante e desgastante psicologicamente, já vimos em várias notícias militares que enlouqueceram dentro dos quarteis. Na academia num cenário tão tóxico quanto, a pressão por publicações, por ser pesquisador, em se virar nas contas para que a pesquisa caiba no orçamento, isso quando recebe bolsa, que a cada dia é mais raro. Assim como os desgastes na relação entre professor-orientador e aluno, onde professores usam sua hierarquia para atrapalhar seu próprio orientando, bloqueando o pensar, ações e gerando um novo ciclo de ódio na academia, é algo tão comum e rotineiro, onde a máxima da universidade é “você está aqui para sofrer”, é “exigente”, não se construí pontes para um novo saber, você é empurrado contra as correntezas, peça ajuda é pouco receberá, se acaso você se afogar, ainda se taxaram de fraco, um novo ciclo recomeça, como já disse Paulo Freire: “quando a educação não é libertadora, o sonho de oprimido é ser opressor”[2].

Os números de pessoas com problemas psicológicos dentro da academia sejam na graduação e com muita mais intensidade na pós-graduação é um duro golpe, não apenas no modelo que se desenha dentro da universidade que assim como um quartel a assistência psicológica é pífia frente aos problemas, mas também pela incapacidade de professores são técnicos, sem nenhuma formação humana, mesmo dentro das próprias ciências sociais.

Conhecimento não é pela dor, pelo contrário é para se livrar das amarras do sofrer, percebendo que o mundo é mais que uma variável numérica ou estatística, sim, uma teia de relações, que são controladas por forças superiores numa relação de poder político que é regional, nacional é global, relacionado ao mundo natural. O obstáculo posto dentro da academia, antes de tudo, é preciso falar abertamente, só se muda o sistema o diagnosticando-o, não criando mais tabu, dentro do tabu.

O texto se refere a alusão da academia ao quartel paramilitar, limitando a uma relação de poder e imposição ao silêncio, da quietude ao pesquisar, estas relações de opressão se tornam ainda maiores no envolvimento de outras mazelas dentro da universidade, o machismo e o racismo, coberto pelo manto desconsagrado da “falsa desconstrução”. 



[1] FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1988.

[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
Johnson Portela
Sobre o blog/coluna
Johnson Portela, Militante do Movimento Tapajós Vivo; Educador Popular e Ambiental; Pedagogo Pesquisador na área da Psicologia Ambiental e Mestrando em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida - PPGSAQ na Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA
Ver notícias