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13/05/2021 às 09h09 Atualizada em 13/05/2021 às 10h58
Por: Ciro Brito
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#13M

Ciro Brito

Roberta Aguiar*

Claudio Barros*

 

 

Vera-Cruz: foi esse o primeiro nome dado à terra que recebeu a chegada da expedição em águas do Oceano Atlântico à comando de Pedro Alvares Cabral, em 1500. Nessa época, os cidadãos e detentores de poderes políticos e econômicos homogeneizavam-se em tons de pele esbranquiçados, que indicavam erudição, sofisticação, bravura, coragem, sucesso, beleza, intelectualidade e cultura.

Essas indicações caracterizaram a semente da Nação Brasil, que acabou por se estruturar na naturalização da animalização daqueles não lhes eram semelhantes. Se por um lado a escravidão por guerras ou dívidas era ordinária pelas bandas do continente europeu, logo logo a escravidão racial viraria a regra pelas bandas brasilis.

Esse processo foi acompanhado e construído via legitimação das relações sociais, econômicas, políticas, acadêmicas, culturais e midiáticas e se espraiou, como consequência pensada, no imaginário brasileiro do que era normal.

Passados ciclos econômicos dos quatro séculos vindouros, consolidou-se na base trabalhista brasileira a escravização de pessoas negras, primeiramente trazidas do continente africano, depois “aproveitadas” das novas gerações de descendentes dessa camada social. Sofrida, emburrecida, empobrecida, subutilizada, indigna.

Em maio de 1888, no dia que para muitos seria de sorte, houve a assinatura de uma Lei, que no nicho embranquecido clamou-se como Áurea, mas que no nicho sofrido provavelmente não se soube que existia. Talvez depois, aos poucos, mas sem tanta diferença, porque os agora ex-cativos pretos livres estavam empobrecidos, sem eira nem beira.

A ideia de libertar a população negra no Brasil foi fruto de muita pressão internacional em relação às liberdades do mercado cedendo também às reivindicações nem sempre pacíficas dos movimentos negros insurgentes de norte a sul de Vera-Cruz. Partiu de uma concepção capitalista de liberdades democráticas, na qual uma Nação só poderia ser respeitada se, tal como outras, todos os “cidadãos” fossem livres. A reticência foi tanta, que Vera-Cruz foi o último território unificado do Ocidente a assinar a “gentileza” da libertação.

Contudo, a libertação não veio acompanhada de qualquer política estatal que subsidiasse a existência desses libertos, o que os colocou deliberadamente na margem.

A resistência negra no Brasil e o avanço de garantia de direitos atualmente é fruto, essa sim, da luta do movimento negro, que incidindo organizadamente em todas as instâncias legais e extralegais conseguiu consolidar mínimos existenciais em leis, constituições e organizações governamentais.

Vimos em Constituições Federativas posteriormente a proibição da escravidão e a garantia do direito à vida, à segurança, à privacidade e ao bem-estar. A atual Constituição “Cidadã”, de 1988, buscou avançar ainda na chamada equidade, além de direitos que deveriam ser básicos como saúde e educação.

Mais tarde consolidou-se a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial – Decreto nº 4.886, 20 de novembro de 2003 –  justamente na data que foi elevada como comemorativa pelo movimento negro pelo simbolismo que carrega consigo, o dia Nacional da Consciência Negra (Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011), data alusiva à Zumbi dos Palmares. Ainda, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.228/2010) e a tão polemizada Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012). 

O 13 de maio é alusivo à tentativa de epistemicídio racial realizado desde Vera-Cruz. Por si só, a Lei Áurea é apenas uma lei, não motivo de comemoração. A comemoração se dá pela negativa de sucumbência e a altivez da resistência organizada, que, como semente frutificou e segue frutificando. Para 400 anos de escravização, muitos e muitos séculos ainda são necessário para a libertação.

 

 

Roberta Aguiar - Acadêmica de Direito e ativista negra.*
Claudio Barros - Acadêmico de Geologia, design gráfico e ativista negro.*
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