Quando se fala em povos indígenas, uma das imagens mais comuns é a de uma pessoa utilizando cocar, arco e flecha, e com pinturas na pele. O que ninguém imagina é que, longe de servirem para “brincadeira de índio”, esses objetos têm significados religiosos e são usados para proteção pessoal e sobrevivência. Confira a seguir alguns desses objetos e entenda sua função em uma aldeia indígena:
O cocar e a maraca
“O meu cocar é da pena da arara...”. Assim dizem os indígenas, em um de seus cantos. De fato, o cocar é feito a partir de elementos retirados da natureza, como penas de aves – arara, gavião-real, papagaio, periquito, entre outros pássaros – e talas de arumã – planta encontrada na Amazônia. No mais, o cocar, antes de ser utilizado, deve ser consagrado por um pajé.
O cocar representa, segundo o Pajé Nato Tupinambá, “a força sagrada de um guerreiro, a força sagrada de um pajé... que tu foste enviado com uma missão”. Por isso, ele é utilizado por lideranças da aldeia: caciques – líderes políticos –, pajés – líderes espirituais – e também por qualquer outro membro da aldeia.
Além disso, os indígenas veem o cocar como uma marca de identidade e poder. Assim como a coroa e o terno são usados para demonstrar a autoridade do homem branco, o cocar mostra o poder sagrado e a autoridade dos líderes indígenas.
O cocar pode ser utilizado de diversas maneiras. Normalmente, ele é visto com as penas apontadas para o alto, mas pode também ser usado aberto, com as penas abaixadas. O que define o modo de usar, segundo Mauri William, um aprendiz da floresta, da aldeia Borari, é que, como o cocar é sagrado, “o espírito sente como usar ele”.
Maracas (ou maracás) são instrumentos musicais utilizados em aldeias indígenas. É basicamente um chocalho preenchido por pedrinhas ou sementes. Esses objetos, no entanto, não servem apenas para ditar um ritmo musical: assim como o cocar, as maracas são sagradas, porque fazem um chamado aos espíritos sagrados e à força da Mãe Natureza. “A maraca, pra nós, ela é muito sagrada. Ela é a força da espiritualidade de um guerreiro”, afirmou o Pajé Nato Tupinambá.
Arco e flecha
O arco e a flecha são popularmente conhecidos como armas. Quando se fala em confrontos com indígenas, o poder de ferir alguém com o arco e a flecha são mencionados. Realmente, os objetos têm a função de proteger quem os utiliza e machucar inimigos. Porém, além disso, são usados no dia a dia, para a sobrevivência: a caça e a pesca são feitas com auxílio do arco e da flecha.
Gilson Tupinambá, guerreiro da aldeia, explica de que materiais são feitos esses artefatos: “Esse arco aqui é feito de surucucuarana [madeira], um fio comum, isso aqui [flecha] é feito de taboca, com a ponta reforçada... de ferro”. Importante dizer que, além da madeira usada no arco de Gilson, podem ser usados, por exemplo, o jatobá, o ipê e outras madeiras. A taboca, de que é feita a flecha, é uma madeira semelhante ao bambu. Os arcos e flechas podem ser grandes ou pequenos e ter pontas diferentes.
Pinturas corporais
As pinturas feitas no corpo são outra marca registrada entre os povos indígenas. Elas também servem como uma identificação entre os membros da aldeia e para a sua segurança, já que impedem que inimigos, por exemplo, os reconheçam. Em períodos de guerra, as aldeias escolhem as cores e os grafismos a serem feitos nos corpos dos indígenas, para que possam ser identificados. Importante dizer que tintas artificiais são usadas para esse fim, mas o urucum e o jenipapo, frutos de árvores, fornecem tintas naturais muito utilizadas pelos indígenas.
Objetos e ritos de defesa espiritual
Ao passo que o homem branco se enfeita com joias e bijuterias, é comum ver indígenas utilizando outro tipo de objeto: o colar feito com dentes de jacaré, por exemplo, além de embelezar quem o utiliza, é um objeto de defesa. Gilson Tupinambá falou ao Tapajós de Fato sobre isso: “é uma defesa. Ele quebra mau-olhado, se a pessoa olhar pra você... fitar seus olhos, ele vai dar uma dor de cabeça, e vai tirar a atenção”.
Além de objetos, outro meio de proteção espiritual são os rituais indígenas. Os rituais são sagrados, momentos de conexão com os espíritos ancestrais e com os Encantados – forças dos territórios sagrados que inspiram e fortalecem quem neles acredita.
Há diversos tipos de rituais sagrados, que partem do uso de ervas, água e outros elementos naturais. Podem ser realizados individualmente ou em grupo. Confira 2 tipos de rituais – um praticado pelo Pajé Nato Tupinambá, e outro pelo aprendiz Mauri William:
• Ritual com rapé
Para este ritual, é preparada uma mistura de tabaco, ervas e pó de madeira – tudo feito naturalmente. O líder espiritual responsável pelo processo sopra essa mistura em pó nas narinas de quem participa do rito. A primeira reação é a ardência provocada pela inspiração do pó, que se sente no nariz e nos olhos. Pode haver tosse, e os olhos podem lacrimejar.
Os objetivos desse ritual são a limpeza física e espiritual e o “voltar-se para dentro”. Por essa razão, além das reações físicas já mencionadas, pode haver choro e vômito, mas tudo é momentâneo. Após a aplicação do rapé, é recomendado sentar ou deitar e fazer um momento de meditação. Durante alguns minutos também após a aplicação, o líder espiritual se mantém por perto, tocando sua maraca.
• Ritual com água, ervas e defumação
Este ritual pode ser dividido em 3 partes: primeiro, ervas retiradas da floresta são molhadas em água perfumada, contida em uma cuia, que recebe uma baforada de Tauari do líder espiritual. Então, o participante do rito é benzido com esse ramo de planta – seus braços, pernas, peito e costas e a cabeça são tocados pela erva úmida; em seguida, é feita uma defumação, também feita com ervas, dessa vez queimadas, e incenso. A mistura é posta em um recipiente com alças, e a fumaça é passada por todo o corpo da pessoa; por fim, o líder espiritual faz uma oração em nome daquele que participa do ritual.
Os rituais ganham mais força quando realizados em ambiente natural, próximos aos 4 elementos, que convidam os Encantados a estarem presentes. Um ambiente de praia, com uma fogueira acesa, por exemplo, é ideal. Além disso, o pajé utiliza uma vestimenta especial quando vai conduzir um rito. Essa roupa, assim como o cocar, é feita também a partir de elementos naturais, como a juta e a palha.
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