Nos últimos anos é notório o aumento da representação feminina na vida política, especialmente após a criação de leis que preveem cotas para a participação das mulheres nas disputas eleitorais. No entanto, na maioria dos casos, o que se percebe é a escolha de mulheres pelos partidos apenas para cumprir a cota, sem qualquer chance ou motivação real que garantam a sua ocupação nos cargos, com as mulheres se constituindo apenas como um mecanismo necessário para que homens cheguem e permaneçam no poder.
A persistente baixa representatividade feminina nos espaços públicos é justificada por essa dominação masculina que viola os direitos políticos das mulheres e se constitui como um obstáculo ao representarem seus próprios interesses.
Em abril de 2021, acompanhamos a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 18/2021 no Congresso Nacional. Essa PEC obriga os partidos políticos a destinarem no mínimo 30% dos recursos públicos para as campanhas eleitorais de candidaturas femininas, sendo a distribuição feita de maneira proporcional ao número de candidatas. Ela prevê ainda que os partidos também devem destinar o mínimo de 30% do tempo de propagandas na rádio e na televisão a essas candidaturas. No entanto, essa PEC está longe de representar um avanço para a representação feminina nos espaços públicos.
Desde de 2018 já havia sido decidido que essa distribuição de recursos deveria obedecer o limite mínimo de 30% e máximo de 70% para as mulheres, o que não é respeitado pela maioria dos partidos. E em 2021, essa PEC anistiou os partidos que não destinaram esse valor mínimo, ou seja, a Justiça Eleitoral não pôde aplicar qualquer punição aos partidos que não financiaram corretamente as candidaturas ao desrespeitarem a proporcionalidade de gênero e raça prevista na lei até o ano de 2021. E esses recursos não aplicados nos anos anteriores, que atingem a casa dos milhões, poderiam ter sido decisivos no resultado de muitas candidaturas femininas.
Vivi Reis, Deputada Federal do Estado do Pará pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em entrevista ao Tapajós de Fato, expôs sua opinião sobre a PEC que considera ser um desserviço por representar uma prática misógina e racista.
“Quando você não destina recursos suficientes conforme vem sendo defendido, inclusive, pelos movimentos feministas e movimento negro, você, automaticamente, está praticando uma política que ignora esses sujeitos como aqueles que podem também ocupar a política e que deve ser a cara da política do nosso país. Pois, a maior parte da população brasileira são mulheres, negros e negras”
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Ela explica ainda que é inaceitável, em um país tão plural, a baixa representação desses grupos dentro dos parlamentos.
“É vergonhoso que nos nossos parlamentos ainda sejamos poucos. No congresso nacional, por exemplo, nós mulheres somos 15% apenas. Aqui no Pará, de uma bancada de 3 senadores e 17 deputados, são apenas duas mulheres”
Para ela, para avançar é preciso que se tenha a garantia de recursos financeiros e o tempo de TV, mas, além disso, é preciso ainda de uma equipe que dê o suporte necessário para a legitimação e atuação das candidaturas.
Mulheres em disputa no pleito eleitoral 2022
O Tapajós de Fato entrevistou ainda outras mulheres que irão disputar as eleições de 2022 para falar sobre suas expectativas e desafios.
Nazaré Cruz, ativista do movimento negro e candidata a Deputada Estadual pela bancada “Manas de Luta”, vai além ao pontuar que existem diferenças entre mulheres negras e brancas quanto a arrecadação de recursos, o que dificulta ainda mais sua atuação no pleito.
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“As candidaturas de mulheres negras arrecadam pouco, mesmo com as vaquinhas virtuais, são as que recebem menos investimento dos partidos, mesmo com o financiamento público quanto ao FEFEC (O Fundo Especial de Financiamento de Campanha), também estão entre as que menos recebem. Se você comparar uma candidatura de mulher branca considerada com "potencial eleitoral" e de uma negra também com potencial eleitoral, perceberá a disparidade”
Embora as maiores dificuldades para a captação de recursos estejam dentro dos próprios partidos, mesmo os de esquerda, Nazaré acredita que é preciso compromisso político interno para que a desigualdade com relação às candidaturas masculinas sejam diminuídas.
“Precisa uma decisão interna dos partidos, um compromisso político, porque na grande maioria dos partidos as decisões estão sob o comando dos homens e, é óbvio, que eles se priorizam, mesmo aqueles que contam com paridade de gênero em suas direções. Eles sempre usam da justificativa que quem já tem mandato precisa receber mais e logo, depois entra na prioridade para se reeleger e o ciclo dura décadas. Então, é preciso movimento interno para que essas práticas mudem, e pressão da sociedade e monitoramento para que isso aconteça”
Assim como Vivi Reis, Nazaré Cruz também partilha da ideia de que esses grupos precisam de representação no parlamento. Para ela, “as mulheres, assim como a população negra, são maioria do eleitorado. Não dá para ter uma sociedade democrática sem a participação e representação dessa parcela significativa na sociedade. Temos um país diverso e isso precisa ser representado no parlamento e no executivo”
A ideia de romper o ciclo é uma das mais defendidas por essas mulheres. E para dissolver o sistema que as coloca em segundo plano, impossibilitando-as de representarem seus próprios interesses, só pode ser possível quando uma parcela considerável de mulheres brasileiras entenderem a importância de ocupar esses espaços.
Visibilidade e enfrentamento: mulheres LGBT+ nas eleições 2022
Após recorde no número de candidaturas eleitas nas eleições de 2020, o ano de 2022 também já indica crescimento da comunidade para disputa do pleito.
Dados da organização “Vote LGBT”, em parceria com Victory Institute, apontam que, em 2022, mulheres trans serão as mais articuladas nas eleições. Elas representam 30% das candidaturas de mulheres LGBT+ que mais formam equipes de campanha e mais negociam recursos com os partidos.
Esse salto significativo no número de candidaturas LGBT+ apontam para uma necessidade urgente: a representatividade e a promoção de políticas públicas de proteção para esse grupo tão diversificado.
O Tapajós de Fato entrevistou Anastácia Marshelly, de 22 anos, que neste ano eleitoral também vai compor a chapa “Manas de Luta” para deputada estadual. Ela nos conta quais as motivações que a levaram a se lançar na vida pública.
Foto: arquivo pessoal
“Entender meu corpo como um corpo que na sociedade é atravessado por diversas violências que deveriam ser pautas do Estado e sequer são faladas. Vejo a oportunidade nessa chapa, de está contribuindo com outras mulheres de luta para que nossas demandas sejam ouvidas”
Num dos países que mais mata pessoas LGBT+, encarar o preconceito e a violência política se constitui como um desafio, mas também como uma oportunidade de fazerem com que suas vozes sejam ouvidas.
“A transfobia é uma realidade brasileira, que tem como base o homen cis, branco e hétero né? E na política esse é o molde. Seja de esquerda ou direita, a sociedade não foi educada para lidar com nossos corpos. A esquerda te bajula mas não respeita nem seus pronomes, a direita te ataca e invalida de forma violenta mesmo, sem massagem”.
A invisibilidade desses atores sociais e as diversas violências que os atravessam são as responsáveis pela baixa representatividade nesses espaços de poder. Por isso, a persistente necessidade de ocupar os cargos eletivos, cargos que não foram ocupados anteriormente por ausência, mas por exclusão de um sistema segregador e violento.
“É preciso que nossas demandas sejam pautadas por quem as vive. Falar da vida, problemas e melhorias de uma comunidade sem viver, é irrelevante. É necessário que vejamos que sim, é possível que uma travesti ocupe esse espaço e que essa comunidade se veja hoje nesses espaços, para ocupar ele amanhã”, finaliza Anastácia.