7 mortes por conta de câncer de colo de útero, só na região do Arapixuna, trazem alerta sobre saúde da mulher ribeirinha

Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR), fez ato simbólico em homenagem às mulheres e entregou carta ao Ministério Público Estadual para relatar os problemas de acesso à saúde de qualidade para as mulheres ribeirinhas.

25/10/2022 às 17h26 Atualizada em 07/11/2022 às 10h14
Por: Isabelle Maciel Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: Tapajós de Fato
Foto: Tapajós de Fato

A Amazônia é um território plural, onde cada região possui seus costumes e modos de vida, e assim como a Amazônia, as mulheres que aqui vivem também são plurais, e enfrentam diversos desafios, sejam eles diferentes ou comuns entre elas.

 

E quando se fala ao acesso à saúde, a realidade é precária para grande parte das mulheres amazônidas, principalmente levando em consideração gênero, raça, classe social, geração e território. Como é o caso das mulheres ribeirinhas, que têm esse acesso limitado, principalmente por conta das barreiras geográficas.

 

Demora no atendimento, falta de médicos, falta de materiais, falta de acesso à informação, longas distâncias, entre outras questões, são as principais causas para que as mulheres que vivem às margens dos rios, se sintam abandonadas quando o assunto é saúde de qualidade.

 

Protesto no MPE pela vida das mulheres do campo / Foto: Tapajós de Fato

 

O descaso com as mulheres do rio Amazonas

 

Na região do Arapixuna, que fica dentro do território do Pae Lago Grande em Santarém, e é banhada pelo rio Amazonas, o número de mulheres com câncer de colo de útero tem sido assustador, pois só nesse ano de 2022 cerca de 7 mulheres morreram devido à doença, e duas estão em tratamento. O caso se torna ainda mais preocupante devido ao fato de que 6, dos 7 casos de mortes, foram somente na comunidade de Carariacá.

 

O Tapajós de Fato conversou com Marta Campos, coordenadora da Associação de Moradores do Carariacá e também da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR), que contou um pouco da realidade da saúde na região.

 

Segundo ela, existe uma grande dificuldade para o acesso aos serviços de saúde, principalmente no Carariacá, onde eles são assistidos por um único posto que atende toda a região do Arapixuna. Exames como Papanicolau-PCCU, essencial para detectar alterações nas células do colo do útero, demoram muito para chegar os resultados, e quando chegam a dificuldade se torna fazer o tratamento adequado. Em muitos casos, as mulheres descobrem quando já estão debilitadas demais, como foi o caso de muitas das que morreram na comunidade.

 

“É muito triste para nós, mulheres, porque no momento a gente vê que são as mulheres que são mais afetadas. E como nós lutamos muito, como movimento social, pela melhoria do SUS e quando a gente percebe uma fatalidade dessa, acaba nos entristecendo muito, será que essa nossa luta está sendo em vão? Será que as autoridades não enxergam que a gente está pedindo socorro? A gente precisa que venha alguém para fazer uma palestra, conversar com essas mulheres no interior, porque na cidade se torna mais fácil, mas para nós, do interior, a dificuldade é maior para chegar na cidade”, desabafa Marta.

 

Bolsonaro, inimigo das mulheres 

 

Ser mulher numa sociedade machista e misógina nunca foi fácil, e viver no “Brasil de Bolsonaro”, para as mulheres, se torna uma missão de sobrevivência. Afinal, situações como a da região do Arapixuna infelizmente são comuns em outras partes do país, onde diversas mulheres estão morrendo por conta de algum tipo de câncer.

 

E nesse mês de outubro, de conscientização em relação ao câncer de mama, o governo Bolsonaro realizou um corte de 45% no orçamento destinado ao tratamento de câncer, a verba de combate à doença passará de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões em 2023, e irá afetar também a compra de materiais, ferramentas e reformas de unidades hospitalares e ambulatórios, além de outros programas.

 

Protesto no MPE pela vida das mulheres do campo / Foto: Tapajós de Fato

 

Muitas mulheres serão prejudicadas com tamanha crueldade por parte do governo, como dona Elvira Souza, que é agricultora familiar e moradora da comunidade de Carariacá, e sente seus direitos violados com todo descaso do governo para com a saúde feminina.

 

Ela relata como se sente em relação à saúde das mulheres ribeirinhas. “Aqui na nossa região ribeirinha a gente se sente abandonada, porque a gente não tem como fazer o exame de PCCU, pra ir lá no posto é quase uma hora de viagem daqui pra gente chegar no posto do Arapixuna, pois nós não temos posto na comunidade, então chega lá a gente colhe o material, mas vezes não tem material, e também a gente fica quase um ano esperando pra receber o resultado”.

 

Ato pela vida das mulheres

 

Na manhã do dia 21 de outubro, as associadas da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais (AMTR) e as integrantes do grupo Mulheres Virtuosas e Empoderadas do Ituqui, além de integrantes da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, foram até o Ministério Público Estadual para protocolar uma carta denúncia sobre a saúde da mulher ribeirinha e os casos de câncer de colo de útero no Arapixuna.

 

Agricultoras familiares protestam no MPE pela vida das mulheres do campo / Foto: Tapajós de Fato



A carta foi construída em conjunto por moradoras da comunidade de Carariacá junto a outras trabalhadoras rurais de outras regiões, que estavam participando de um encontro sobre agroecologia onde debateram diversas questões que envolvem a vida das mulheres, incluindo a saúde.

 

Entrega da carta denúncia no MPE / Foto: Tapajós de Fato

 

No documento são relatados os diversos problemas que as mulheres ribeirinhas enfrentam para terem acesso a serviços de saúde, e também sobre os altos índices de mortes por conta do câncer. Além de apontar quais medidas podem ser tomadas para melhorar o acesso à saúde de qualidade no campo, a ideia de produzir a carta é também na tentativa de que algo seja feito para responder o porquê de tantas mulheres estarem morrendo com a mesma doença na mesma região.

 

Em entrevista ao Tapajós de Fato, Keyse Oliveira, que faz parte da coordenação da AMTR, fala sobre a construção da carta e a ação no MPE.

 

“Então, a ação no Ministério Público é fruto de um debate que tivemos no intercâmbio ‘Mulheres Trabalhadoras Rurais na Luta’, que foi realizado no Carariacá, região do Arapixuna, no qual debatemos sobre política políticas públicas, e por conta do outubro rosa a saúde foi um dos temas mais debatidos neste encontro. E na comunidade morreram sete mulheres, e somente de câncer no colo do útero, e isso nos assustou e decidimos fazer uma carta de denúncia”. 

 

Keyse relata ainda algumas das pautas que foram pontuadas na carta, “primeiro a gente pensa em ações mais emergenciais, no sentido da saúde, em estar levando pras comunidades essas mobilizações que acontecem no mês de outubro, mas com frequência. Pensamos em ações mais concretas também, como concurso para servidoras na área de saúde para essas regiões, pedimos também a urgência nesses resultados, pois muitas vezes as mulheres vão fazer algum tipo de exame e demora muito para conseguirem ter uma resposta, e essa demora é vida né? A gente vê isso como um desrespeito muito grande. A gente quer uma conversa com curso de saúde e Ministério Público, para ver de que forma a gente pode pensar em ações que sejam mais efetivas e que elas sejam de fato realizadas”.

 

Carta protocolada no MPE / Foto: Tapajós de Fato

 

Essa triste realidade que as mulheres da comunidade de Carariacá têm vivenciado, infelizmente se repete em outras regiões, até porque isso é o que se sabe apenas da região do Arapixuna, e nas outras, quantos mulheres têm morrido pela mesma doença?

 

A falta de acesso aos serviços públicos de saúde junto ao descaso do governo têm matado mulheres por todo Brasil, e principalmente as mulheres da Amazônia, que apesar da proteção da floresta, não têm conseguido resistir a tudo isso.

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