Quinta, 05 de Dezembro de 2024
Gênero e Sexualidade Realidade

Mulheres ribeirinhas e a dificuldade de denunciar violência doméstica na região oeste do Pará

Relatório de segurança mostra o aumento da violência contra mulheres na Amazônia, e a logística da região é uma das dificuldades para mulheres ribeirinhas denunciarem violência.

06/03/2024 às 14h21 Atualizada em 04/04/2024 às 14h41
Por: Damilly Yared Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: Reprodução da Internet
Foto: Reprodução da Internet

Nos últimos anos, o Brasil tem se deparado com um desafio persistente e alarmante que ultrapassa os limites dos lares e das comunidades: a violência doméstica.

Em um contexto onde o lar é tradicionalmente visto como um lugar de segurança e proteção, a realidade brasileira nos leva a observar que milhões de mulheres ainda são submetidas a um ambiente de abusos físicos, emocionais e sexuais praticados na maioria das vezes por parceiros íntimos e/ou membros familiares.

O relatório final de “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança, afirma que a violência doméstica cresceu no Brasil no ano de 2022.

Imagem: Gráfico de feminicídio do Anuário Brasileiro 2023

No ano de 2022, o anuário de segurança pública da FBSP publicado em 2023, revelou ainda que os casos de feminicídio cresceram 6,1%, já no contexto da violência doméstica houve um aumento no ano de 2022, de 2,9% o que totaliza cerca de 245.713 casos, no Brasil. 

Quando é feito um recorte da violência contra mulher na Amazônia, o estudo “Cartografias da Violência na Amazônia” do Instituto Mãe Crioula e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com apoio da Ford Foundation e do Instituto Clima e Sociedade (iCS), aponta que taxa de feminicídios nos municípios da Amazônia foi de 1,8 para cada 100 mil mulheres, 30,8% superior à média nacional, que foi de 1,4 por 100 mil. Chama a atenção que as áreas classificadas como intermediárias e as rurais apresentaram taxas de feminicídio ainda mais elevadas que a das áreas urbanas. [trecho do estudo Cartografias da Violência na Amazônia de 2023]

Imagem: Gráfico do estudo - Cartografias da Violência da Amazônia 2023

Para aprofundar ainda mais os dados de violência contra a mulher, é necessário um recorte ainda mais local, no ano de 2023, segundo os dados disponibilizados pela Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher - DEAM, o número de casos no município de Santarém, no oeste paraense, teve um aumento significativo comparado com o ano de 2022, no ano de 2023 o município registrou 2063 boletins de ocorrência de violência contra a mulher.

A realidade das mulheres que moram na Amazônia no contexto da violência contra mulheres é diferente das mulheres que moram nos grandes centros urbanos, por exemplo, no estado do Pará, vítimas de violência doméstica por vezes tem que percorrer mais de 200 km para chegar a uma delegacia e prestar queixa contra seu agressor, isso porque o estado tem uma área extensa e por vezes as comunidades são bastante afastadas das cidades que contam com posto de polícia ou de uma delegacia da mulher, impactando assim na denúncia dessa mulher, além de gerar grande dificuldade de efetividade da ação da própria polícia para apurar e instaurar o procedimento.

Na medida em que as denúncias na área urbana crescem, são poucos ou quase nenhum os dados em relação a mulheres ribeirinhas, o que é uma demonstração de que essas mulheres contam com pouca assistência do Estado brasileiro.

Foto: ANTON_IVANOV / SHUTTERSTOCK

Diante dessa realidade, o Tapajós de Fato conversou com a delegada de plantão da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher - DEAM, Vanessa Travassos, que explicou as dificuldades de atendimento às mulheres ribeirinhas e como acontece o suporte a essas mulheres vítimas de violência na região do Oeste do Pará.

Delegada de plantão da DEAM Vanessa Travassos | Foto: Tapajós de Fato

Segundo a delegada Vanessa Travassos, “quando a mulher ribeirinha mora em uma cidade que já tem uma certa estrutura como uma delegacia ou a comunidade tem um posto da PM que acontece nos interiores, fica mais fácil de fazer o flagrante, de Maria da Penha, agora, em muitos casos, essas comunidades ribeirinhas não têm essa polícia lá presente, o que a gente orienta é que elas façam um boletim de ocorrência online”.

A delegada ainda ressalta que “se a mulher vítima de violência puder ir para a delegacia que fica mais próximo para pessoalmente fazer essa denúncia, fazer o boletim de ocorrência, e que caso não seja possível em flagrante, de qualquer modo, a gente instaura uma investigação, faz um inquérito por portaria e aquele fato vai ser investigado”.

A delegada plantonista foi questionada ainda se a DEAM, em conjunto com os órgãos do município de Santarém, tem pensado ações ou estratégias para melhor a assistência prestada a essas mulheres.

Em relação ao questionamento feito pelo Tapajós de Fato, Travassos afirma que "na verdade, a atuação é em conjunto com os órgãos de assistência social, geralmente são eles que estão mais presentes nas comunidades ribeirinhas, eles identificam quais são as carências de cada comunidade [...] e após esse estudo a gente trabalha, aqui por exemplo, trabalhamos com assistência social, trabalhamos com psicólogos, e quando é identificado alguma carência em determinado local, o ideal é que seja criado políticas públicas que leve também servidores aquela comunidade, e se for possível fazer um mutirão”.

Quando perguntada sobre as dificuldades que a DEAM têm ao chegar na cidade para efetuar essa denúncia, de acordo com Vanessa Travassos - “existe uma certa dificuldade que a gente tem quando instaura uma investigação de um fato que aconteceu numa comunidade ribeirinha, é porque a maioria das testemunhas também residem naquele lugar, as testemunhas, não apenas a testemunha, mas o suspeito também. Além de algumas vezes termos algumas dificuldades materiais para deslocamento até aquele lugar e fazer intimação, às vezes contamos com a ajuda das chefes das comunidades para poder entregar essas intimações, mas nem sempre isso é possível, então, fazer a oitiva dessas pessoas, seja ela testemunha, seja o acusado, as pessoas que estão envolvidas ali nesse delito, é um pouco mais complicado quando se trata da população ribeirinha” - finaliza a delegada.

O Tapajós de Fato conversou ainda com Lenivalda Xavier, presidente da Associação das Organizações de Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas [AOMTBAM], que explicou como a organização ajuda mulheres ribeirinhas na denúncia de violência doméstica.

A presidente explica que a associação tem um movimento de mulheres em cada um dos 13 municípios do Baixo Amazonas, e que esse movimento trabalha em conjunto com o CRAS e com o CREAS para denunciar os agressores. E ressalta ainda que na zona rural não tem uma comunicação tão eficaz para que possa ser denunciada a violência, principalmente em relação às mulheres ribeirinhas, onde o acesso à internet é mais precário.

Lenivalda destaca ainda que “a organização faz formação por município, e o município tem os seus núcleos,  o movimento de mulheres tem os núcleos que trabalham na zona rural e na zona urbana, e a nossa organização pede para que o movimento indique as suas mulheres para as formações, nós trabalhamos com essas mulheres para que tenham formação sobre gênero, violência contra a mulher, além de participarmos das campanhas contra a violência nos municípios”.

A presidente da AOMTBAM destaca ainda que apesar da parceria com os municípios do Baixo Amazonas, seria importante uma casa de acolhimento (que tem no município de Santarém, mas seria importante nos outros municípios da região), principalmente por conta da geografia da região e logística, já que diversos municípios e comunidades são afastados de Santarém, e acaba sendo um problema nessa comunicação.

É possível observar que em ambas as falas, a questão logística parece ser um grande problema para que seja prestada uma assistência com mais qualidade. A falta de dados sobre os índices de violência doméstica contra as mulheres ribeirinhas evidencia também que essas mulheres estão invisibilizadas pelo Estado, com isso é necessário formular uma estratégia mais eficaz de amparo e suporte para que a violência seja denunciada e as vítimas possam ser amparadas.

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